quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Maranhão: o estado da falsidade





Por Abdelaziz Aboud Santos

O ano de 2013 chega trazendo esperanças e desconfianças ao
mesmo tempo. O 13 é um número da cabala. Em alguns lugares não é nem
pronunciado: prefere-se dizer ano 12 mais um. Para outros é um número
mágico. Carrega a força dos sonhos impossíveis.

Em fins de 2012 o polêmico historiador Villa, em texto provocativo,
intitulado “Maranhão, O Estado do Medo”, colocou lenha na fogueira,
antecipando quão enigmáticos serão o ano em curso e demais, ao afirmar que
o Maranhão não faz parte do Brasil, razão que encontra para justificar o poder
descomunal de suas oligarquias tradicionais, lideradas pelo senador José
Sarney, sua família e grupos de interesse nacionais e locais, responsáveis
pela façanha de recriação, em pleno século XXI, do sistema de capitanias
hereditárias, iniciadas no período colonial, precisamente no reinado de D. João
III, em 1534.

Pelo que se pode deduzir do texto do professor da Universidade Federal
de São Carlos, cujas ideias centrais são também compartilhadas por outros
analistas conterrâneos, teria sido inculcado no imaginário maranhense um
sentimento de aceitação resignada do processo de aprofundamento do
domínio político oligárquico, que acabou conduzindo a mentalidade inclusiva a
um estágio de servidão voluntária, fenômeno que teria levado o Brasil a
esquecer do Maranhão, reforçado pelo posicionamento das elites locais, que,
mesmo aquelas que não obtêm vantagens diretas, permanecem em uma
espécie de eterno e respeitoso silêncio frente à dura e desafiadora realidade
estadual, na qual se destaca a exasperante questão política. Como nos
regimes fechados e plutocráticos, os que têm juízo são os primeiros a
obedecer; no torrão timbira essa regra se amplia, virando medo cego das
flechas voadoras que poderão levar ao desamparo, real ou figurado, dos
insurgentes.

Inspirado na magia do 13 e nas circunstâncias referidas, vinculo-me à
tese de que o medo atávico que permeia a formação social maranhense tem na
manipulação das consciências o seu principal fator de reforço e propagação.
Medo e falsidade andando juntos significam uma carga genética de alto poder
destrutivo, sobretudo pelos impactos negativos nos ainda precários vínculos de
sociabilidade humana entre maranhenses, impeditivos do seu desenvolvimento
político e civilizacional.

Teço essas considerações como pano de fundo para homenagear a
memória de Jackson Lago, neste início de ano, que será o quarto após o golpe
que levou à sua cassação; ano este que se apresenta fortemente emblemático,
sobretudo pela inexorabilidade da passagem da ampulheta do tempo, que

coloca nos ombros das gerações atuais principalmente, sejam maduras e
juvenis, a responsabilidade histórica de (re) inventar o Maranhão.

Impossível deixar de perceber que o período das capitanias hereditárias
ensaia os primeiros passos rumo ao ocaso e, em paralelo, que é possível
vislumbrar novos túneis do tempo se abrindo e em processo de gestação no
território, que se espera sejam capazes de colocar o Maranhão em definitivo no
século XXI.

Por mais que adversários poderosos afirmem o contrário, Jackson foi
um maranhense que colocou a sua vida de líder político a serviço de várias
gerações, inclusive das muitas que hoje se apresentam como portadoras das
mudanças, resistindo ao medo e à falsidade. Tirar o Maranhão do extravio
significa passar a limpo as falsidades que turvam a memória maranhense.

Acredito que se combate o medo com o primado da verdade. O
compromisso com a desmistificação da realidade maranhense é um dever
cívico que ultrapassa interesses partidários e de grupos. A condição de líder e
símbolo da resistência política no Maranhão faz de Jackson Lago uma biografia
indispensável para a construção do novo momento histórico. No momento em
que um outro cenário político e cultural tende a se materializar, mesmo que não
se materialize em curto prazo, seja para o bem ou para o mal, assoma, como
dever histórico, a necessidade de que se clarifiquem as várias circunstâncias
que levaram à queda do governo Jackson, que tinha como missão, entre outros
desideratos, reduzir a longevidade do próprio poder oligárquico local.

O imperativo do respeito à verdade exige que se revele às atuais e
novas gerações a sórdida manipulação de consciências adotada pelo poder
dominante, responsável pela cassação do seu mandato como chefe do poder
executivo, fundamental para a reconciliação da biografia do líder político com
os seus concidadãos-eleitores, os quais, por toda vida, viram em Jackson um
exemplo a ser seguido no campo ético e político.

O infortúnio de Jackson foi não dispor de armas e munições capazes
de derrotar os seus ferozes e perigosos inimigos. O dilema de Jackson foi
não contar com quadros que, mesmo em desvantagens flagrantes, não foram
suficientemente engenhosos e inteligentes a ponto de promover dúvidas e
incertezas entre as hostes inimigas e adversárias. O drama de Jackson foi não
ter tido condições de vencer o medo e a mentira que estavam impregnados
na mentalidade de ampla maioria dos maranhenses, que se calaram diante da
infâmia e da ignomínia.

Além de ter enfrentado a força e a fúria das oligarquias e seus
grupos de interesse, daqui e alhures, Jackson e seus imperativos éticos
bateram de frente com grupos econômicos poderosos, com interesses claros e
adredemente definidos para o contexto local. A transferência dos recursos

públicos do Bradesco para o Banco do Brasil, no início da gestão, é um bom
exemplo. Tratava-se do maior conglomerado financeiro privado da América
Latina, um dos acionistas da Vale, que aqui operava em flagrante
descumprimento da Constituição do País, que exige a gestão dos recursos
públicos em bancos públicos. A Diretoria do Bradesco para cá se deslocou e o
Governador foi obrigado a expor os seus argumentos, subsidiado por pesquisa
em que a quase totalidade dos servidores indicava a necessidade de que tal
transferência acontecesse. Recordo-me de reunião reservada da então
Ministra-Chefe da Casa Civil, que, em nome do Presidente da República, pediu
ao Governador Jackson que repensasse a decisão da transferência dos
recursos do Bradesco para o Banco do Brasil, levando-o a proferir a frase
lapidar: “Ministra, eu fui eleito para defender os interesses da população do
Maranhão!”.

Não há dúvida que a severidade de tratamento dado ao Maranhão
pelo Governo Federal inicia-se ali. O Projeto Rio Anil (PAC Rio Anil) ilustra
bem. Enquanto a contrapartida dos recursos do PAC era de até 20% para os
Estados mais pobres, o Maranhão teve que suportar uma contrapartida de
50%, metade-metade, para realizar o Projeto. E mais: toda a obra realizada
até a cassação foi quase integralmente garantida com recursos do tesouro
estadual, uma vez que a parte do Governo Federal era transferida a passos
lentíssimos. É fácil deduzir o papel e a influência do Governo Federal nos
desdobramentos políticos posteriores.

O ano que se inicia vai exigir atenção redobrada e sobretudo atitudes
firmes e corajosas. Precisa-se renunciar ao estatuto da servidão voluntária.
Necessita-se abominar a praga de Vieira, que, em seu famoso Sermão da
Quinta Dominga da Quaresma, em 1654, afirmava que no Maranhão não há
verdade e por isso até o sol e os céus mentem.

Não creio que o Brasil tenha esquecido do Maranhão e que, por isso
mesmo, a sua libertação esteja condicionada a esse reconhecimento. Na
verdade, a única forma de se incorporar o Maranhão ao Brasil começa aqui e
dependerá daqui.

A construção de novos vínculos telúricos e antropológicos, necessários
à contrassignificação do sentimento de pertencimento do nosso povo à sua cultura,
é o caminho mais eficaz para a reinvenção maranhense, esperada, desejada e
sonhada por todos.

Não é demais lembrar que no Maranhão a República permanece como
uma dualidade que não termina: nunca se implanta e o domínio dos coronéis
e oligarcas sempre permanece vivo. No período vitorinista, o Maranhão era
conhecido no Brasil como a Universidade da Fraude. A herança é muito
pesada. Muito mais para o mal do que para o bem. Muita sorte com o 13 ou inspiração com o 12 mais um.

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