WALTER RODRIGUES ––
COLUNÃO no 014 –– SÃO LUÍS (MA)
14/12/1997
Já vai tarde a CPI da
Pistolagem
Basta aspirar o ar da Assembléia
Legislativa para saber de crime
É injusto dizer que a “CPI
da Pistolagem” não serviu para nada, pois isso equivale a confundi-la com quem
não ajuda mas também não atrapalha. A CPI atrapalhou e atrapalhou-se tanto, que
até a pizza tradicional passou do ponto.
Se o próprio crime organizado assessorasse os trabalhos, não poderia
desejar, dadas as circunstâncias, condução mais tímida ou desfecho mais inútil
à segurança pública.
O máximo de ousadia que o
relatório dos cinco cepeístas consegue é “denunciar” a existência de crime
organizado no Maranhão, assim, como se eles tivessem descoberto a pólvora.
Bastaria aspirar a fumaça dos próprios corredores da Assembléia para chegar à
mesma conclusão.
No caso específico do
assassinato do delegado Stênio Mendonça e da chacina do Bando Bel –– fatos que originaram a investigação da
Assembléia –– a CPI deteve-se aquém das
apurações da Polícia e das conclusões do Ministério Público. A delegada Dayse
Aparecida identificou um por um os planejadores e executores da “queima de
arquivo” dos matadores de Stênio, já agora devidamente denunciados pelo MP à
Justiça. O inquérito parlamentar chegou ao fim sem tomar conhecimento disso,
embora os intrépidos inquisidores sustentem que “forneceram elementos para a
ação do Ministério Público”. Isso é piada se tomado a sério e como piada não
tem a mínima graça.
As propostas da CPI
resumem-se no velho chavão de que a polícia está “desaparelhada”. Está, e
muito, mas isso não é tudo, nem é o fundamental. O fundamental é o crime organizado,
com a participação de autoridades dos três poderes, conforme declaração do
ex-governador João Alberto. O qual, apesar disso, nem foi convidado a depor.
Apesar disso ou exatamente por isso?
Tampouco quiseram ouvir o
deputado José Gerardo (PPB), apontado como suspeito pela viúva de Stênio,
Marília Mendonça. Gerardo declarou repetidas vezes que estava pronto a prestar
depoimento, mas foi inútil: a CPI não
estava pronta a ouvi-lo. Nem a ele nem ao deputado Francisco Caíca, cuja filha
Stênio indiciara por envolvimento no escândalo da carreta roubada em 1995 pelo
bando de Joaquim Laurixto. A carreta foi achada num imóvel pertencente a
Laurixto e habitualmente utilizado por Gerardo e Caíca.
Tendo praticado esse
ultracorporativismo, a CPI não desperta a compaixão de ninguém quando se queixa
de que não lhe permitiram ouvir os juízes de algum modo relacionados com seu
objeto de investigação. Por que os juízes deveriam atender ao chamado, se a CPI
não se dera ao respeito de convocar nem os deputados, nem o secretário João
Alberto? Só com muita boa vontade, o que obviamente os magistrados não têm.
A CPI também protagonizou
episódios ridículos, como a inacreditável tentativa de promover uma “acareação”
de Marília com delegados implicados na chacina do Bando Bel, ou como a revisão
do Código Penal cometida pelo relator Francisco Atalaia, que chamou Stênio,
diante da viúva, de “assassino” (Stênio matou um homem em legítima defesa, mas
essa circunstância “não interessa, é assassino de qualquer jeito”, segundo
Atalaia). Em compensação, o delegado Raimundo Brandão –– indiciado e agora já denunciado à Justiça
como co-autor intelectual da chacina do Bando Bel –– mereceu elogios do presidente da CPI,
deputado Getúlio Silva, só porque se declarou inocente...
De frente pro crime –– O
espírito da CPI evidenciou-se neste diálogo do deputado Francisco Martins com o
presidente da Associação dos Delegados, Aldir Teixeira, que defendia
abertamente os policiais suspeitos:
–– O senhor acha que os
membros da CPI correm algum perigo?
–– Não, porque os senhores
estão fazendo um bom trabalho.
(Supunha-se, até então, que
o perigo aumentasse na razão direta da eficiência da investigação e que “bom
trabalho”, no parecer do delegado, fosse “mau trabalho”, do ponto de vista dos
bandidos).
No capítulo dos pecados
veniais, Martins protelou o início dos trabalhos com um requerimento sem sentido, Pedro
Vasconcelos deu o fora na primeira oportunidade (depois de insinuar que Marília
manifesta “desequilíbrio”) e o petista Vila Nova, num acesso de provincianismo
radical, gastou uma hora do depoimento do secretário de Segurança discutindo a
proibição de um pagode de seus correligionários de Santa Rita. Ou não era Vila Nova, mas apenas um sósia
dele?
Na minha coluna de 31/8 no
Jornal Pequeno, comuniquei o suicídio da CPI, admitindo que o velório se
prolongaria até que o bem-estar do meio-ambiente exigisse o sepultamento. Só
não contava que prolongassem as exéquias ainda por 90 dias, indiferentes ao mau
cheiro.
Tem gente que erra porque
não sabe e tem gente que erra porque não quer acertar. Fica a impressão de que
a CPI não sabia e sobretudo não queria. Que a terra lhe seja leve.
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