Q
QUALIDADE
Tem uma coisa que acontece com o meu trabalho e com o trabalho
da Legião Urbana — eu não sei, talvez esteja enganado. Mas é como se
tudo o que a gente faz desse certo. Então, as pessoas não se esforçam...
Elas têm um jeito de trabalhar muito mais leve e solto do que eu gostaria.
Comigo é sério, tem que ser a melhor coisa que já foi feita. Nunca vai
ser a melhor coisa que já foi feita; a gente sempre vai ter dúvida. Mas é
aquela tal história: "Ah, é Legião. Vai dar certo!". Depois, o disco vende
um milhão de cópias, e tudo bem. Mas ninguém sabe pelo que a gente
passou. É uma coisa que tem um pouco aqui no Rio de Janeiro, e acho
que um pouco no Brasil. Ora, bolas, desde que eu tinha 8 anos de idade,
a única coisa que eu queria era tocar numa banda de rock'n'roll! Eu não
vou abrir mão de nada, porque é uma coisa que eu gosto de fazer. Eu
não penso em vendas, eu penso num resultado de qualidade. (1995)
'QUANDO O SOL BATER NA JANELA DO TEU QUARTO'
[faixa do disco As
Quatro Estações]
[ Eu sou muito ligado aos anos 60. Esta música tem uma sonoridade
bem 60, terminando com uma guitarrinha à la Byrds. Até bem pouco
tempo atrás, a gente realmente acreditava que poderia mudar alguma
coisa. Depois, percebemos que não ia dar mais para mudar, mas
continuamos acreditando. (1989)
[ Em "Disciplina é liberdade", eu estou falando de autodisciplina. Se
você pensar numa relação sujeito—objeto, é fascista; mas, numa relação
sujeito—sujeito, não é. Não é "eu vou disciplinar você". A natureza é
207
disciplinada. Eu preciso de muita disciplina! Fica tão bonito escrito "Disciplina é
liberdade". E é uma inversão do
double think do 1984 [livro de George Orwell]:
"Liberdade é escravidão", "Ignorância é força". Se você tiver um conceito legal de
liberdade, imediatamente surge uma idéia positiva. Mas eu acho bacana que as pessoas se
preocupem. O que mais me chama a atenção nessa música é: "Lá em casa tem um poço,
mas a água é muito limpa". (1990)
'AS QUATRO ESTAÇÕES'
[ Quando as músicas deste disco começaram a ficar completas, entrei
em pânico. Eu realmente não sabia o que falar. Mas, gradualmente,
conseguimos ter a disciplina necessária para que nossa inquietação
pudesse se transformar em letras. E isso gerou um disco com letras
superespirituais. Poderia ter sido um LP das inquietações de um pseudo
pop star
num país de Terceiro Mundo, mas preferimos canalizar tudo
para o lado da emoção. São músicas sobre coração, espírito e Deus.
(1989)
[ O Lou Reed, por exemplo, mostra problemas, desesperos, mas não
mostra soluções. Eu queria apontar um caminho. Este é um disco de
padre — eu fui padre na outra encarnação. Eu sinto necessidade de
dizer para as pessoas não ficarem desenhando diabinhos, porque, para
ouvir
heavy metal, não é preciso desenhar o capeta. A gente precisa
olhar para Jesus. (1989)
[ Se formos coerentes, diria que é nossa versão das bandas Fiction and
Romande e PIL, coisas que nossos roqueiros amigos já fizeram há três
anos. Mas, como somos atrasados, fizemos agora. (1989)
[ O novo disco é todo político. Neste disco, a gente está falando do
espiritual, e hoje em dia não existe nada mais político, para mim, do
que o espiritual. Aliás, acho que esta é a questão crucial hoje em dia: a
questão de você com seu lado religioso. (1989)
[ Eu acho que, ao invés de a gente esquecer os anos 60 — como rolou
nos 70 e, principalmente, nos 80 —, você pode pegar os ingredientes
208
que geraram aquele espírito e adaptá-los à prática de hoje em dia. Nesta década, foi um
tal de bandas dizendo que voltaram aos 60 em busca daquela sonoridade, mas não
voltaram, não.
As Quatro Estações, por exemplo, mostra como você pode fazer uma
coisa parecida, entrando nos 90. A temática deste disco não é tão diferente da usada por
alguns conjuntos e cantores dos 60, como Byrds, George Harrison e até Jimi Hendrix,
sei lá. Eu queria retomar, pelo menos para mim, aquele espírito, para poder voltar a
acreditar em alguma coisa. (1989)
[ Gostaria que o disco fosse sobre ciclos, a perda da inocência. Seria
basicamente isso: primavera, verão, chega o outono e caem todas as
folhas. E, no inverno, fica a árvore toda daquele jeito. É como se a gente
estivesse chegando no inverno. Mas, aí, vem vindo a primavera de novo.
Quer dizer, você pode escolher ter uma nova primavera. A maior parte
das pessoas que eu conheço fica no inverno, e eu acho ser este o maior
problema delas. (1989)
[ Desta vez, eu citei as fontes para que as pessoas não pensem que tiro
isso de minha cabeça. Mas Camões, a Bíblia, Buda já dizem as coisas de
uma maneira completa. A gente queria fazer um disco que fosse um
disco amigo, um alento, que tentasse trazer paz de espírito. (1989)
[ Quando nós entramos no estúdio, não levamos nenhum material.
Fizemos as músicas simultaneamente com as gravações. Sei que, a
princípio, parece que não mudamos muito, mas a proposta agora é mais
leve, é mais branda. Nós não estamos falando de religião, estamos falando
do lado espiritual do ser humano. Não estamos falando que Deus existe
ou não existe. O disco não lida com a questão da existência de Deus, e
sim com a idéia de Deus. O disco não é de catecismo religioso. Tem
gente que gosta de dizer que "mulher é tudo vaca". Nós preferimos
dizer que "ter bondade é ter coragem". (1990)
'QUE PAÍS É ESTE'
[faixa do disco Que País é Este (1978/1987]
[ Aquela pergunta não é uma pergunta, é uma exclamação! Porque
quem me diz que país é este são as pessoas que vivem aqui. A gente tem
um material fabuloso a ser trabalhado aqui no Brasil. A gente percebe
209
certas coisas: tem muita gente trabalhando, tem muita gente fazendo muita coisa boa.
O Brasil é também um país do Primeiro Mundo. Aqui, num raio de dez quilômetros, vai
ver quantas locadoras de vídeo têm. É Primeiro Mundo também! Agora, só para uma parte
das pessoas. (1989)
'QUE PAÍS É ESTE (1978/1987)'
[ A gente não fez um disco pensando que essa ou aquela música pudesse
ser tocada no rádio
[referindo-se à proibição de execução pública de
Conexão amazônica
e Faroeste caboclo]. O que se deseja é que as pessoas
que gostam da gente comprem o disco e o tenham em casa. O material
pintou completo e não poderíamos, de maneira nenhuma, tirar fora
essas duas músicas. (1987)
[ O sucesso desse disco é uma honra! Quem diria? Isso é para explicar,
de uma vez por todas, que não gravamos músicas antigas só para ganhar
dinheiro. Tivemos cuidado com o produto, da capa ao papel. (1988)
[ Eu fiquei surpreso. A
Folha pichou, chamou de "esquálido" e
"primitivo". Não deixa de ser surpreendente o que está ocorrendo. A
gente vai no
Globo de Ouro e vêm a Rosana, o Wando e depois, em
primeiro lugar, a Legião. Acho que tivemos uma transição
superequilibrada e harmoniosa. (1988)
[
Faroeste caboclo foi escolhida a melhor música de 1987 pela Bizz e
Que país é este
foi a eleita pelo público da revista. Sem contar que
fomos eleitos a melhor banda pelo
Jornal do Brasil. Foi um trabalho
que deu certo. (1988)
[ Na verdade, estávamos gravando outro disco, que seria o terceiro,
mas resolvemos parar porque, intuitivamente, sentimos que aquele disco
não era para o momento. Eu também não estava muito a fim de escrever
letras. Então, como já estávamos no estúdio, com tudo ligado e produtor
em cima, pintou a idéia de gravar as músicas antigas, pegando mais duas
novas composições para que o trabalho viesse até 1987. Ficou legal.
(1988)
210
QUALIDADE
Tem uma coisa que acontece com o meu trabalho e com o trabalho
da Legião Urbana — eu não sei, talvez esteja enganado. Mas é como se
tudo o que a gente faz desse certo. Então, as pessoas não se esforçam...
Elas têm um jeito de trabalhar muito mais leve e solto do que eu gostaria.
Comigo é sério, tem que ser a melhor coisa que já foi feita. Nunca vai
ser a melhor coisa que já foi feita; a gente sempre vai ter dúvida. Mas é
aquela tal história: "Ah, é Legião. Vai dar certo!". Depois, o disco vende
um milhão de cópias, e tudo bem. Mas ninguém sabe pelo que a gente
passou. É uma coisa que tem um pouco aqui no Rio de Janeiro, e acho
que um pouco no Brasil. Ora, bolas, desde que eu tinha 8 anos de idade,
a única coisa que eu queria era tocar numa banda de rock'n'roll! Eu não
vou abrir mão de nada, porque é uma coisa que eu gosto de fazer. Eu
não penso em vendas, eu penso num resultado de qualidade. (1995)
'QUANDO O SOL BATER NA JANELA DO TEU QUARTO'
[faixa do disco As
Quatro Estações]
[ Eu sou muito ligado aos anos 60. Esta música tem uma sonoridade
bem 60, terminando com uma guitarrinha à la Byrds. Até bem pouco
tempo atrás, a gente realmente acreditava que poderia mudar alguma
coisa. Depois, percebemos que não ia dar mais para mudar, mas
continuamos acreditando. (1989)
[ Em "Disciplina é liberdade", eu estou falando de autodisciplina. Se
você pensar numa relação sujeito—objeto, é fascista; mas, numa relação
sujeito—sujeito, não é. Não é "eu vou disciplinar você". A natureza é
207
disciplinada. Eu preciso de muita disciplina! Fica tão bonito escrito "Disciplina é
liberdade". E é uma inversão do
double think do 1984 [livro de George Orwell]:
"Liberdade é escravidão", "Ignorância é força". Se você tiver um conceito legal de
liberdade, imediatamente surge uma idéia positiva. Mas eu acho bacana que as pessoas se
preocupem. O que mais me chama a atenção nessa música é: "Lá em casa tem um poço,
mas a água é muito limpa". (1990)
'AS QUATRO ESTAÇÕES'
[ Quando as músicas deste disco começaram a ficar completas, entrei
em pânico. Eu realmente não sabia o que falar. Mas, gradualmente,
conseguimos ter a disciplina necessária para que nossa inquietação
pudesse se transformar em letras. E isso gerou um disco com letras
superespirituais. Poderia ter sido um LP das inquietações de um pseudo
pop star
num país de Terceiro Mundo, mas preferimos canalizar tudo
para o lado da emoção. São músicas sobre coração, espírito e Deus.
(1989)
[ O Lou Reed, por exemplo, mostra problemas, desesperos, mas não
mostra soluções. Eu queria apontar um caminho. Este é um disco de
padre — eu fui padre na outra encarnação. Eu sinto necessidade de
dizer para as pessoas não ficarem desenhando diabinhos, porque, para
ouvir
heavy metal, não é preciso desenhar o capeta. A gente precisa
olhar para Jesus. (1989)
[ Se formos coerentes, diria que é nossa versão das bandas Fiction and
Romande e PIL, coisas que nossos roqueiros amigos já fizeram há três
anos. Mas, como somos atrasados, fizemos agora. (1989)
[ O novo disco é todo político. Neste disco, a gente está falando do
espiritual, e hoje em dia não existe nada mais político, para mim, do
que o espiritual. Aliás, acho que esta é a questão crucial hoje em dia: a
questão de você com seu lado religioso. (1989)
[ Eu acho que, ao invés de a gente esquecer os anos 60 — como rolou
nos 70 e, principalmente, nos 80 —, você pode pegar os ingredientes
208
que geraram aquele espírito e adaptá-los à prática de hoje em dia. Nesta década, foi um
tal de bandas dizendo que voltaram aos 60 em busca daquela sonoridade, mas não
voltaram, não.
As Quatro Estações, por exemplo, mostra como você pode fazer uma
coisa parecida, entrando nos 90. A temática deste disco não é tão diferente da usada por
alguns conjuntos e cantores dos 60, como Byrds, George Harrison e até Jimi Hendrix,
sei lá. Eu queria retomar, pelo menos para mim, aquele espírito, para poder voltar a
acreditar em alguma coisa. (1989)
[ Gostaria que o disco fosse sobre ciclos, a perda da inocência. Seria
basicamente isso: primavera, verão, chega o outono e caem todas as
folhas. E, no inverno, fica a árvore toda daquele jeito. É como se a gente
estivesse chegando no inverno. Mas, aí, vem vindo a primavera de novo.
Quer dizer, você pode escolher ter uma nova primavera. A maior parte
das pessoas que eu conheço fica no inverno, e eu acho ser este o maior
problema delas. (1989)
[ Desta vez, eu citei as fontes para que as pessoas não pensem que tiro
isso de minha cabeça. Mas Camões, a Bíblia, Buda já dizem as coisas de
uma maneira completa. A gente queria fazer um disco que fosse um
disco amigo, um alento, que tentasse trazer paz de espírito. (1989)
[ Quando nós entramos no estúdio, não levamos nenhum material.
Fizemos as músicas simultaneamente com as gravações. Sei que, a
princípio, parece que não mudamos muito, mas a proposta agora é mais
leve, é mais branda. Nós não estamos falando de religião, estamos falando
do lado espiritual do ser humano. Não estamos falando que Deus existe
ou não existe. O disco não lida com a questão da existência de Deus, e
sim com a idéia de Deus. O disco não é de catecismo religioso. Tem
gente que gosta de dizer que "mulher é tudo vaca". Nós preferimos
dizer que "ter bondade é ter coragem". (1990)
'QUE PAÍS É ESTE'
[faixa do disco Que País é Este (1978/1987]
[ Aquela pergunta não é uma pergunta, é uma exclamação! Porque
quem me diz que país é este são as pessoas que vivem aqui. A gente tem
um material fabuloso a ser trabalhado aqui no Brasil. A gente percebe
209
certas coisas: tem muita gente trabalhando, tem muita gente fazendo muita coisa boa.
O Brasil é também um país do Primeiro Mundo. Aqui, num raio de dez quilômetros, vai
ver quantas locadoras de vídeo têm. É Primeiro Mundo também! Agora, só para uma parte
das pessoas. (1989)
'QUE PAÍS É ESTE (1978/1987)'
[ A gente não fez um disco pensando que essa ou aquela música pudesse
ser tocada no rádio
[referindo-se à proibição de execução pública de
Conexão amazônica
e Faroeste caboclo]. O que se deseja é que as pessoas
que gostam da gente comprem o disco e o tenham em casa. O material
pintou completo e não poderíamos, de maneira nenhuma, tirar fora
essas duas músicas. (1987)
[ O sucesso desse disco é uma honra! Quem diria? Isso é para explicar,
de uma vez por todas, que não gravamos músicas antigas só para ganhar
dinheiro. Tivemos cuidado com o produto, da capa ao papel. (1988)
[ Eu fiquei surpreso. A
Folha pichou, chamou de "esquálido" e
"primitivo". Não deixa de ser surpreendente o que está ocorrendo. A
gente vai no
Globo de Ouro e vêm a Rosana, o Wando e depois, em
primeiro lugar, a Legião. Acho que tivemos uma transição
superequilibrada e harmoniosa. (1988)
[
Faroeste caboclo foi escolhida a melhor música de 1987 pela Bizz e
Que país é este
foi a eleita pelo público da revista. Sem contar que
fomos eleitos a melhor banda pelo
Jornal do Brasil. Foi um trabalho
que deu certo. (1988)
[ Na verdade, estávamos gravando outro disco, que seria o terceiro,
mas resolvemos parar porque, intuitivamente, sentimos que aquele disco
não era para o momento. Eu também não estava muito a fim de escrever
letras. Então, como já estávamos no estúdio, com tudo ligado e produtor
em cima, pintou a idéia de gravar as músicas antigas, pegando mais duas
novas composições para que o trabalho viesse até 1987. Ficou legal.
(1988)
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