sexta-feira, 1 de junho de 2007

Letra "H"

tentar ser feliz". Então, meu filho, não tem essa de guru, sacou? Na sociedade, existe
uma carência de mentores. Eu não tenho. Não existe mentor, não existe uma pessoa
para quem você possa realmente olhar e pensar — você está seguindo um caminho que
eu gostaria de seguir. É difícil, hoje em dia: você só vê gente roubando, cada um por
si. (1989)
[ Estou lá no palco, cantando as minhas músicas. Não quero exercer influência
nenhuma. Se a Legião tem uma mensagem, é: "Seja sua própria pessoa". E não
acreditem no que eu falo. (1995)
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'HÁ TEMPOS' [faixa do disco As Quatro Estações]
[ Esta música sintetiza todas as colocações do disco. Há tempos coloca
as questões que se passam no Brasil. (1990)
[ Há tempos começa tranqüila; no final, eu estou me esgoelando. Mas,
quando você vê aquele bando de gente cantando "Há tempos são os
jovens que adoecem", não tem como não se emocionar. (1995)
'THE HEART OF THE MATTER' [composta por Mike Compeli, Don Henley e J.D.
Souther e incluída por Renato Russo no disco The Stonewall Celebration Concert]
[ É um rock balada do Don Henley, com aquela batida Hollywood Rock, mas aquela
letra diz o que sinto. (1994)
'HELP!'
Quando ouvi Help!, com 5 anos de idade, decidi que era isso que eu
queria ser. Não parecia trabalho ficar correndo dos fãs. (1994)
HEROÍNA
[ Foi por pouco tempo. Dois meses, só. Eu estava indo e parei, mas comecei a sentir
umas coisas estranhas. Então, eu tomei Valium para caramba, remédio para dormir...
Acordei dois dias depois e "Aaahhh, passou!", "Ah, é fácil!", "Vamos começar tudo de
novo". Aí, eu peguei mais pesado. E nada adiantou: nem banho, nem chá quente,
nem
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massagem. Eu tomei tudo quanto era tipo de remédio, rezei, fiz tudo. Foram três dias
horrorosos, e eu falei assim: "Eu nunca mais vou passar por isso na minha vida". E isso
afetou a turnê do Quatro Estações. No último show, eu tive que ir com um médico do
meu lado, tipo assim: "Renato, vai dar tudo certo". Todo mundo se divertindo no hotel e
eu, lá, deitado, rezando para que chovesse... No final, tive uma hepatite séria e quase
morri. (1994)
[ Sobre isso, eu vou escrever um livro. Sabe aquelas coisas de
Hollywood? Vai ser tipo Confissões de um ex-junkie. Foi uma coisa que
aconteceu, eu não me arrependo, mas não fico feliz com isso. A
dependência é muito brava. Mas o problema todo é que eu estava tendo
um relacionamento com um cara e a gente entrou nessa juntos. No
começo, era uma brincadeira. Só que o cara foi embora, voltou para os
Estados Unidos e, de repente, eu conhecia o pessoal que fornecia o
lance aqui. Aí, fiquei indo, fiquei indo, fiquei indo, até que chegou um
dia em que eu vi que já estava viciado. Foi péssimo. Eu achava que ia
poder resolver esse problema sozinho. Eu parei, mas continuei
deprimido, angustiado, de mau humor, completamente imprevisível.
(1994)
[ O Scott ainda estava aqui. De tudo que usei, o pior foi álcool e
tranqüilizantes. Heroína foi horroroso, mas só um mês e meio. No final
de julho de 1990, ele viajou e eu continuei. Uma coisa meio junkie
mesmo... Depois, decidimos que ele voltaria e a gente ia se cuidar. Bem,
não posso dizer que foi ruim. Na verdade, foi péssimo. A gente usava
heroína para ficar namorando. Ele conheceu um rajneesh [seguidor de
Osho, como é atualmente conhecido o guru indiano] na praia, que tinha
a droga. No Rio, heroína não existe. Eu nunca tinha experimentado. O
Scott já tinha experimentado tudo. O mundo ficava maravilhoso por
oito horas. Em termos de dependência física, é a pior droga. Tudo que
é droga é ruim. (1995)
HERÓIS
[ Eu acredito que não existem heróis. A gente pode ter pessoas
realmente espetaculares. Por exemplo, existem figuras espiritualizadas,
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religiosas, que são grandes modelos para a humanidade. Mas, na verdade, todo mundo é
igual. Eu não acredito que eu tenha uma verdade a mais. Principalmente a juventude, se
cai nesse erro de acreditar que sim, ela inevitavelmente vai acabar descobrindo que o
ídolo dela tem pés de barro. E isso é uma coisa muito desagradável. No começo: "Ah, o
Renato é maravilhoso! A Legião é maravilhosa!". Depois: "Não, eles não são mais
maravilhosos, vamos pegar eles". Eu tento evitar isso, me concentrando mais no
trabalho, na questão da musicalidade, da mensagem, do que propriamente na
questão do marketing, de apresentações ao vivo, fofocas, revistas de fofocas, fotos,
essas coisas. (1995)
HETEROSSEXUAIS
[ Eu não quero mais fazer ativismo gay. Na minha cabeça, eu decidi,
muito humildemente, que quem precisa de ajuda são os heterossexuais.
É só a minha opinião, pelo amor de Deus! Meu novo mote é: "No dia
em que os heteros pintarem algo como a Capela Sistina, o mundo terá
um pouco mais de paz". E também: "O que seria do mundo se não
tivesse viado?". Porque a gente não teria nem Disneylândia, nem
Broadway, nem Hollywood... E nem Beatles! Mas a gente acaba sempre
se virando. Agora, os heteros: guerras, igrejas, controle da sexualidade e
das emoções etc. O rock'n'roll fala disso; a partir dos anos 60 ele entrou
em outras questões que a gente pode trabalhar. (1996)
HIPOCRISIA
[ Todas as críticas ao rock que é feito no Brasil acabam abalando sua
confiança. Afinal, que país é este? Supostamente, sobre o que eu falaria?
Só sobre coisas que conheço. Às vezes, fico cansado. Estou lendo meus
livros calmamente e penso: vou ter que sair, trabalhar com os pobres.
Será que eu sou um hipócrita? Eu sempre entro pelo cano quando falo
o que sinto. Mas eu não tenho condições de jogar o jogo. Quando fosse
dormir, pensaria: agora, Renato, você é um hipócrita. (1988)
HOBBY
[ Assistir a filmes. (1994)
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[ Comprar disco é o meu hobby. (1995)
HOLLYWOOD ROCK
[ A juventude está sendo enganada! Não estou a fim de participar do
Hollywood Rock, pelo mesmo motivo que você nunca ouviu música da
Legião em novela da Globo. Fazemos até Fantástico, talvez tenha até
uma música em novela, um dia, mas tentamos nos resguardar de certas
coisas. Não sei se seria positivo para a Legião fazer Hollywood Rock.
Além do mais, para isso existe o Capital Inicial. Como vamos cantar o
que cantamos com um baita bandeirão do Hollywood atrás? Mas todo
mundo é hipócrita. Quem sabe, um dia, fazemos. (1989)
HOMEM BONITO
[ Meu filho. (1994)
HOMEM ELEGANTE
[ Dado Villa-Lobos. (1994)
HOMEM INTELIGENTE
[ Betinho. É de uma inteligência sã. E Chico e Caetano, inteligentésimos.
(1994)
HOMENS
[ Bobos, que nem cachorro. (1994)
HOMOSSEXUALISMO
[ Para mim, o homossexualismo nunca foi problema. Claro que, hoje
em dia, tem a Aids. Então, você pode transar com quem quiser, tomadas
as devidas precauções. Mas era tudo muito difícil, eu nunca me sentia
feliz. Sabe aquela música, It's a sin, dos Pet Shop Boys? Aliás, é a banda
mais gay que existe. É bem aquilo. Eu queria ter uma banda. Consegui
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ter uma banda. Eu queria ter dinheiro. Consegui ter dinheiro. Tenho meus amigos. Mas
sempre tinha alguma coisa me espezinhando, e eu sabia o que era. É muito difícil viver
numa sociedade onde você é um pária. Só para colocar um paralelo, imagina que o mundo
é homossexual e você é hetero. Então, ... E o vento levou vai ter o Clarke Gable com o
Leslie Howard. E você não pode abrir a boca para falar "Eu gosto de mulher". A sua
família vai colocar a causa do enfarte do seu pai em cima de você. Você é doente. No
colégio, quando começa a doutrinação — você tem que ser igual a todos —, você começa
a ficar com medo. Não tem com quem se abrir, acha que é a única pessoa no mundo.
Então, estou errado. E é uma questão de instinto. Eu tenho muito mais facilidade de
ficar de pau duro se aparece um cara bonito na minha frente do que com uma menina.
Se bem que, com meninas, também. E eu me resolvi, mas isso confundia a minha cabeça.
Eu comprava uma série de revistas eróticas de que eu gosto — Mandate, Honcho, Torso,
Meat, Uncut —, e todo mundo falando de Stonewall... (1990)
[ Eu senti que, se não falasse, não me abrisse com o meu público, não me sentiria bem.
Estava me sentindo como se estivesse cometendo uma gafe, mandando mensagens
através das minhas músicas, e as pessoas ficando naquele clima, sem saber ao certo o
que estava acontecendo. Não é nem uma questão sexual. Eu tenho a minha emotividade
ligada a isso: é uma questão espiritual eu me sentir atraído por pessoas do mesmo sexo. Se
for uma estratégia de marketing, eu sou a pessoa mais corajosa do Brasil. (1991)
[ Não existe... E o vento levou gay. No cinema, a bicha ou sofre e morre, ou é tia, ou
assassina psicótica, ou travesti. Até um filme independente, como O banquete de
casamento, tem a bicha japonesa que trabalha e a americana que cozinha. Não existe o
gay normal. (1994)
[ Resolvi minhas últimas dúvidas quando fui aos Estados Unidos, em
89. No Brasil, ou você é enrustido e pega michê ou travesti, ou é bichadiscoteca
. Não sou nada disso. Gay, lá, pode ser macho. Eles são
setorizados: musculosos, sadomasoquistas, loucos... (1994)
[ Ah, ser gay! Só têm três assumidos no Brasil: eu, Rogéria e Clodovil. Rimou. (1994)
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[ Quando a pessoa se esconde, acaba caindo no mundo sórdido da
noite, dos michês. Não] Todo mundo aqui no prédio sabe que eu sou
gay. Não preciso ficar mentindo, trazendo meninos que peguei na rua e
correndo o risco de ser assassinado ou roubado. Eu vim ao mundo com
luz, não tenho de me enfiar num buraco. Não quero me sentir como
um torcedor do Botafogo no meio da torcida do Flamengo. (1994)
[ Reafirmo minha homossexualidade para evitar que as pessoas passem
pelo que eu passei: achar que era doente, que era estranho, que ia morrer
e seguir direto para o inferno. Para poder ter a liberdade de ser quem
eu sou. (1994)
[ Faço parte de uma minoria, que não é tão minoria assim, ainda mais
neste país. Me considero pansexual, mas sou o que as pessoas chamariam
de homossexual. Chegam pessoas para mim e dizem: "Não, Renato,
você não é gay, você não desmunheca". Está bom. Desde quando eu
preciso botar uma peruca e sair rebolando? Isso porque somos uma
sociedade católica, machista e falocrata. Tenho amigos muito educados
que são heterossexuais mesmo, casados, mas todo mundo acha que eles
são bichas. E conheço um monte desses garotões fortões que nunca
ninguém vai dizer que são. Mas são. Então, isso faz parte da minha vida.
Não é um problema. É importante falar sobre isso. Se eu fizesse parte
de outra minoria e se existissem coisas que me incomodassem, acho
que, tendo a posição de artista, eu falaria. Não é para ser politicamente
correto ou para chamar atenção. Já tive namorada, já tive filho, mas
gosto de hoje poder cantar uma música de Bob Dylan dizendo If you
see him em vez de If you see her. (1994)
[ Nunca perguntei a eles [os outros componentes da Legião] o que
achavam das letras. Não queria ficar indefinido como Stipe [REM] ou
Morrisey [The Smiths]. Mesmo assim, as pessoas confundem. Maurício
não é uma música gay. O personagem fala na primeira pessoa. E isso não
surgiu com Meninos e meninas. Daniel na cova dos leões, do segundo
disco, já falava sobre sexo oral. (1995)
[ Revelar que está na contramão da heterossexualidade normativa é
uma decisão difícil. Eu me abri porque senti que estava na hora, que
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isso me daria mais liberdade no meu trabalho e, também, porque eu não queria enrolar
o jovem ou a jovem que estava ouvindo aquilo, sem saber se era aquilo mesmo. Não
abrir o jogo seria desonesto com meu público. Se eu canto uma música que fala, por
exemplo, da sensação de diferença, de solidão, ou mesmo de uma felicidade que está
ligada a essa diferença afetiva, quem está ouvindo tem o direito de saber sobre o que
estou falando. Mas tento escrever de uma maneira que qualquer um possa se apossar da
canção. Quando ouço alguém cantando, quero saber se aquela determinada música foi
feita para o que eu acho que foi mesmo. Por isso, achei importante o Neil Tennant, do
Pet Shop Boys, ter falado claramente da sua homossexualidade, por exemplo. (1995)
[ Meu primeiro caso homossexual foi aos 9 anos, com o meu primo.
Foi um escândalo na família. O engraçado é que eu sempre gostei de
homem bonito, e ele era lindo. Eu era o inteligente, com idéias
maravilhosas; e ele era o atleta, o Adônis, o Davi de Michelangelo, que
até hoje tem problemas de dependência química, mas ainda não
conseguiu ficar feio. Até os 13 anos, tivemos uma amizade absurda.
Depois, ele seguiu o caminho dele e eu continuei perdidamente
apaixonado. (1995)
No Rio, você pode gostar de ópera e de Sex Pistols, sem nenhum
problema. Nos Estados Unidos, pela roupa que a pessoa usa, você sabe
o que ela pensa. Tem um código de imagem muito canalizado e muito
complicado, que não resolve nada. Em Londres, se você é gay, você só
fala com gay, só freqüenta o clube tal, é tudo setorizado. Em Nova
York, têm os guetos; então, o padeiro é gay, o açougueiro é gay. Mas eles
não têm proteção nenhuma e, depois, fica aquela coisa de "Agora eu
moro aqui com o Mike e não quero saber da vida dos vizinhos". Vai ser
igualzinho aos heterossexuais. O que as bichas querem é casar; criam
um tipo de organização para reivindicar os mesmos direitos e entrar
num sistema moralmente falido. E para quê? Para ser babaca como os
outros. Eu quero freqüentar todos os ambientes, ter todos os tipos de
amigos, e não ser conhecido como "Sou gay", ou "Sou Flamengo", ou
"Sou anarquista". A única coisa legal é a luta que eles têm travado para
fazer algo pela questão da Aids. Mas eles falam muito e ninguém transa;
você quer povo mais enrustido do que o inglês? Aqueles caras com aquele
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cabelinho azul. Para quê? Eu prefiro até que as pessoas nem se exponham tanto, mas que o
sexo role numa boa, e essa é a grande contribuição que o Brasil pode dar. A sexualidade
brasileira é uma coisa muito louca, a gente é extremamente sensual. (1996)
HORÁRIO
[ Vou dormir às sete da manhã e acordo ao meio-dia. De dia, não faço nada, porque o
mundo está acontecendo. (1994)
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