sexta-feira, 1 de junho de 2007

Letra "D"

DADO VILLA-LOBOS
[ Eu imagino o que deve ter acontecido no primeiro dia em que o
Dado foi ao colégio, portando corajosamente um alfinetei Um alfinete
só! Depois rasgou a calça um pouquinho, só um pouquinho... (1989)


[ Um dia, o Paraná [Eduardo, que formou a Legião antes da entrada de
Dado] cansou de brigar com o Bonfá e decidiu estudar regência e "levar
música a sério", como ele dizia.

O [Paulo] Paulista tinha 16 anos, mas parecia 30, e resolveu sair também. Nessa época, estava marcada a primeira grande apresentação das bandas de Brasília, no auditório da BO [Associação Brasileira de Odontologia]. Iam tocar as quatro principais bandas combinadas em duplas: Plebe Rude, Legião, XXX e Capital Inicial. Faltava pouco mais de um mês e a gente sem guitarrista.

Chamamos o Ico Ouro Preto, irmão do Dinho, que tinha sido do Aborto. No segundo ensaio, ele desistiu. Aí, já não tinha ninguém bonitinho, e a ente chamou o Dado.le foi aprendendo, e acho que hoje é um dos grandes guitarristas, porque tem estilo próprio. (1995)

Dado estava tocando com o Dado e o Reino Animal, mas ele não sabia tocar guitarra direito. Não sabia mesmo. Ele teve de aprender a tocar guitarra para tocar com a Legião. Em duas semanas, ele aprendeu a tocar nove músicas. No primeiro show, a gente tocou Ainda é cedo, e ele praticamente nunca tinha visto uma guitarra. A gente ficava: "Faz barulhinho". Daí é que saiu o solo. Até se tornar uma coisa
completamente zen e espetacular, como pode ser ouvido em Música
para Acampamentos. O solo dele naquela gravação ao vivo é fabuloso. (1995)

'DANIEL NA COVA DOS LEÕES' [faixa do disco Dois]
[ Se você faz rock — ou tenta fazer, porque não sei se a gente faz —,
você vai sempre ter características do meio musical onde está. Daniel na cova dos leões, por exemplo, é um baião. Não foi uma procura de fusão, algo arquitetado por nós. Mas, vimos depois, surgiu naturalmente. 1988)

DEDICAÇÃO
[ Aqui no Brasil, as coisas são muito grandes, falta espaço para coisas
alternativas, o tempo te consome muito. O Jesus & Mary Chain vai
tocar em Manchester e depois em Brixton, que é pertinho, e pronto.
Aqui, você vai do Rio para Recife e, depois, para Porto Alegre — tudo é
em escala maior. Além do mais, são várias pessoas envolvidas. Para fazer
uma coisa, hoje em dia, eu tenho que me dedicar totalmente a ela. (1988)


DEFESA DO CONSUMIDOR
[ Quando eu trabalhava no Ministério da Agricultura, por volta de
1982, sempre fazia trabalho de campo. Eu era da Coordenadoria de
Orientação e Defesa do Consumidor, que foi um dos primeiros órgãos
do gênero. Eu saía por aí, vendo se os supermercados estavam ligando
os freezers, se os produtos estavam na validade. Eu tinha de fazer "o
povo fala" — parar as pessoas na rua e conversar, por exemplo, sobre o
preço do feijão. Era uma coisa fabulosa. Acho interessante conhecer
pessoas de verdade. (1995)


DEMOS
[ A gente tocava muito no começo, muito mesmo. Tinha uma demo
que já tocava na Fluminense [Rádio Fluminense FM, que lançou a
maioria das bandas de rock nos anos 80]. Até que entrou Será na rádio,
depois da gravação do disco. Nossas primeiras demos foram feitas pelo
pessoal do Artmanha, que deu a maior força lá em Brasília.

Aqui no Rio, produzimos uma, com três músicas, com o Marcelo Sussekind. Esta é uma parte bonita da história, porque, hoje em dia, o pessoal do Artmanha está montando um estúdio em Brasília com uma máquina de oito ou 16 canais, que era o nosso plano.

Porque a gente queria sair, fazer sucesso, ganhar uma bolada de dinheiro e voltar para lá — ter nossas mansões, nosso superestúdio. (1989)


DENISE BANDEIRA
[ Minhas melhores amigas de hoje vêm de uma época em que eu estava
tentando namorar garotas, para ver se deixava meus pais felizes, a
sociedade feliz. Namorei mulheres belas e interessantes. Uma delas foi
a Denise Bandeira — posso dizer, porque sei que ela não se importa —,
aquele mulherão. Tentei, mas não deu certo comigo. Entendi que podia
namorar a mulher mais bonita do mundo, mas, quando passasse um
bofe atraente, com o corpo cabeludo, hummmm. Não deu, não dá. (1995)


DEPENDÊNCIA QUÍMICA
[ A doença [dependência química] te domina de tal maneira que você
pensa que é daquele jeito, mas, na verdade, não é. É como uma depressão.
Você não consegue sair daquilo, vai usando isso, aquilo, e de repente o
mundo vai se fechando. Você fica agressivo sem perceber.

Tudo é cinza. ocê não consegue ver nada de positivo. E a vida não é nem boa, nem
ruim: a vida é o que a gente faz da vida. Mas, é claro, se você vive
entupindo seu corpo com toxinas... No começo, é até interessante. É o
que a gente chama de lua-de-mel. Depois, é fatal.

Quem é dependente químico, se não parar, morre. E, se não morrer de overdose, suicídio ou câncer no fígado, morre em acidente de carro ou coisa assim. (1994)
[ Não posso beber nunca, sou dependente químico. Ê como diabético,
que nunca pode comer açúcar. Tive uma recaída séria há uns dois meses.
Durou quatro dias e foi um inferno, mas me recuperei. (1995)

Tenho dependência química, que é como ser canhoto ou daltônico.
Eu sou o que se chama dependente químico em recuperação. Eu estou na programação [dos 12 Passos] desde 1992 e não uso mais nada, porque eu não posso.

Comecei a beber com 17 anos. O negócio só ficou pesado mesmo aos 28. (1995)
[ Parei desde 3 de abril de 1993, logo após o meu aniversário. A
reprogramação de vida que faço, desde então, é definitiva. Para valer.
Você percebe que a dependência química é uma doença crônica,
primária, progressiva e fatal.

Eu não sou sem-vergonha, louco, nem depressivo, nem melancólico. Sou dependente químico. Interessante é que, por trás de todo dependente, está sempre um perfil psicológico sensível e inteligente. São todos compulsivos. Eu sou compulsivo total. (1995)

[ Fiquei internado um mês e meio em Vila Serena [clínica em São
Paulo], um lugar para recuperação de dependentes químicos. Parei de
beber, de usar tudo. Aprendi a parar de andar com quem usa e a não ter
droga em casa.

A evitar local da ativa. Não passo em bar nem para comprar cigarro. Sou o mesmo, mas não estou com duas doses de Cointreau, nem tomei Lexotan há 15 minutos. Quanto aos amigos, não eram verdadeiros... Cheguei a um ponto que, se eu não parasse, morria.

Imediatamente, passei a me alimentar muito bem, tomar remédios
homeopáticos e muita vitamina. Acordava às 6 horas, com um sino,
para fazer exercícios. Fazia terapia de grupo. Durante um mês e meio,
tive que me lembrar e escrever dez coisas que fiz por causa do álcool e
me deram vergonha ou me afastaram de quem eu amava.

A última coisa que eu deixei abalar foi o meu trabalho. Foram só duas ou três
brigas públicas, coisa de bêbado chato. Em casa, era muito pior. Eu
ficava dias e dias com cinco, seis meninos aqui dentro. Coisa típica de
decadência gay absoluta... Não acreditava em nada, tinha uma
autopiedade extrema. Em Vila Serena, eles tentam resgatar a sua
espiritualidade. (1995)

Eu usei droga dos 17 aos 30 anos. Fui um completo idiota. Hoje, eu
tenho problemas de fígado, depressão, seqüelas desses anos. C
dependente químico é visto como um sem-vergonha, existem muito
estigma social e muita dor. Quem não tem esse problema acha que é frescura.

Quem em é geralmente gente muito sensível, é tudo uma gente maravilhosa que entra no buraco e não sai. Todos os poetas e escritores são alcoólatras, eles têm uma coisa a mais. as a verdade é que a droga não traz nada de bom para ninguém, eu é que achava que precisava de droga. (1995)

[ Você só consegue sair de uma situação assim se encontrar um caminho
espiritual. Se você não é religioso, tem que descobrir a fé que perdeu
na vida. Porque quem usa droga está no fim da vida. Esta é a doença da
solidão e da negação — sua e dos outros, porque todo mundo vai te
dizer que você não tem nada. Eu tive uma recaída este ano, foi horrível.
Você perde completamente a dignidade, é muito trágico. (1995)

DEPRESSÃO
[ Eu não consigo parar de pensar e ficar preocupado com tudo o que
acontece. Então, fico muito deprimido, às vezes. Fico achando que as
pessoas são cegas, não querem ver o que está acontecendo, não se ajudam,
e vivem num processo de servidão voluntária. A maioria das pessoas
insatisfeitas não faz nada para reverter a situação.

Eu vejo algumas pessoas
dizerem que o horário eleitoral é algo humorístico, mas, que graça tem
aquilo? Não é humorístico, é patético, na maioria das vezes. Agora, vai
ver que meu caráter é diferente do perfil do povo brasileiro. Fica todo
mundo dizendo que somos um povo alegre e feliz, e aparece o Nick
Cave e diz que não viu nada disso. Ele está certo. Eu sei que preciso
falar de coisas bonitas, senão vai ser uma negatividade só, mas não me
incomodo, não. (1989)


[ Passei 15 anos da minha vida me destruindo com drogas e álcool.
Cheguei a um ponto em que nada mais me interessava, nada me dava
prazer. Eu estava que nem o Kurt Cobain. Estava muito deprimido.
(1995)


[ Estou do meio para o fim de uma depressão, e a terapia é trabalhar.
Eu me esforço para sair, me alimentar bem, tomar sol, fazer exercício.
Ficava sentindo coisas e era muito desagradável. Fiquei catatônico, sem querer sair de casa, e tinha ataques de pânico e de ansiedade. Quando a gente pensa nessa coisa de seqüestro... essas coisas me deprimem. (1995)

'O DESCOBRIMENTO DO BRASIL'
[ Este disco vai se chamar O Descobrimento do Brasil porque é uma
maneira de a gente dizer que o Brasil não é exatamente essa coisa ruim
que a gente está vendo. O nosso país não é somente ônibus pegando
fogo. A gente precisa descobrir o Brasil. Gostaria de crer que se trata de
um disco realista, um disco mais esperançoso...

Se bem que esperançoso não é a palavra ideal. Todas as letras são realistas, mas todas têm também coisa mítica — os versos de Perfeição celebram Eros, Thanatos. Mas, no fundo, quase todas as letras são de amor. Os barcos é uma música de
amor. O disco vai falar de bondade, espiritualidade... Essas coisas que
os críticos detestam e dizem que é brega. (1993)

[ Desde V que queríamos fazer um disco mais leve, com mensagens
positivas. O problema é que, na época, nada disso saía. A gente falava:
"Bom, vamos inventar uma música bonitinha". Mas acabava fazendo
aquelas coisas pesadas e melancólicas. (1993)


[ O Descobrimento do Brasil é uma reconstrução. Fala da valorização
da família sem ser careta, depois da lama do disco V, que — hoje posso
dizer — era um retrato da era Collor. (1993)

[ Muita gente pensou que O Descobrimento do Brasil seria uma guinada
para a MPB. Mas a Legião sempre foi MPB! A gente fazia rock por
protesto. Aquele negócio de combater o colonizador na linguagem dele
(1993)

[ O Descobrimento do Brasil é um disco sobre perda. Mas são pouca
as pessoas que percebem isso, por causa do jeito que as músicas estão
estruturadas. Todas as músicas são músicas de despedida. (1993)
[ Em outubro de 94, O Descobrimento do Brasil ainda estava indo
bem no Nordeste... Sabe esse tipo de coisa? Giz ainda está nas paradas ainda está no Top 10. Bem, a Legião tem um pouco disso. Demora um pouco, e depois é que as pessoas pegam aquilo. Dois anos [desde o lançamento do disco] é muito tempo, não é? No empo pop, é muito tempo. (1995)

DESGASTE
[ Não é fácil cantar o repertório da Legião Urbana. Independente de
ser bom ou ruim, a experiência que tem ali nas músicas... Você cantar
Ainda é cedo, Soldados, depois cantar Daniel na cova dos leões, Angra
dos Reis — é uma coisa que, sabe, desgasta. Eu te digo que desgasta,
mesmo. (1994)


DEUS
[ Já me falaram muitas vezes que a voz do povo é a voz de Deus. Será
que Deus é mudo? (1985)
[ Gostaria de acreditar em alguma coisa. Você não pode mais nem
acreditar em Deus que as pessoas riem na sua cara. Eu acredito em
Deus. Ele é a vida, a natureza, somos nós. Mas ninguém respeita. (1987)
[ Deus é tudo. É vida, amor. Se, em alguma época, pensei não ter
acreditado, estava mentindo.

O que sei é o seguinte: me sinto bem quando ajudo alguém. Bem piegas, não é? Mas, felizmente ou infelizmente, é isso mesmo. Ver uma flor se abrindo, uma criança sorrindo. Se um décimo da população cristã fizesse o que tem que ser
feito, o mundo seria melhor.

Acredito na minha fé. É algo que não se explica. Por isso estamos tão mal. No momento em que deixamos de acreditar na humanidade, deixamos de acreditar em Deus. (1988)

[ Agora, até a ciência descobriu Deus. Sei de matemáticos e físicos
que acham que, para um universo tão perfeito, tem que haver um Deus.
Eles reconhecem que sempre haverá algo de inexplicável, de inexplicado.
O que acontece é que o homem matou Deus e hoje as pessoas estão
em fé nenhuma. Na verdade, o Deus cristão matou todas as divindades pagãs anteriores.

Tem uma frase era que acredito: "Quem procura Deus já o encontrou".
E tem uma outra: "Foram os homens que inventaram Deus". E eu fico
entre estas duas frases. Existe a idéia de Deus, independente de Deus
existir ou não, que está dentro do espírito humano.

E essa coisa a gente não resolve nunca. O interessante é desmistificar tudo isso. Seria retensão de minha parte tentar explicar isso. Mas há coisas que foram
ditas e coisas que sei de experiência. Uma delas é: se você ajudar alguém,
sinceramente mesmo, você se sente muito bem. (1989)


DIÁRIO
[ As músicas têm uma base pessoal, mas também entra muito do
imaginário e da sua invenção. Por isso é que vira música; senão, eu
escreveria diários. (1989)

[ A gente usou o rock, basicamente, para se expressar. Para mim, era
importante ter uma banda de rock, primeiro, para me divertir e, depois,
para dizer o que eu achava da vida e o que estava acontecendo em volta
de mim. Por isso eu acho que a gente é uma banda folk. Eu não sei falar
de outra coisa a não ser da vida. Uma coisa de diário. (1993)


DIFERENÇAS
[ O que eu falo é: não tenham medo de se achar diferentes. É a coisa
mais importante que eu aprendi com o rock'n'roll. Por mais diferente
que você seja, você não está errado, você não é anormal. Eu senti muito
isso, porque todo mundo colocava na minha cabeça que eu era anormal
Como o Bob Dylan fala: "Eu me esforço tanto para ser como sou, e fica
todo mundo querendo que eu seja como eles". (1989)


[ Quando eu era adolescente, não sabia direito como funcionava o
mundo e sofria uma pressão muito grande para ser igual aos outros.
Ninguém tem de ser igual a ninguém. Cada pessoa é um universo
maravilhoso e único. Com o Stonewall [disco solo, com músicas em inglês]. por exemplo, eu uis mostrar que você pode, com dignidade, viver bem, ser um cidadão, ter o seu rabalho e ser diferente do normal, do comum. Porque senão, de repente, a pessoa caba mentindo para si mesma e fazendo coisas de que não gosta, que não estão na sua atureza. (1994)


DIGNIDADE
[ Eu me considero muito macho, entendeu? Tenho 34 anos, casa própria,
sou super-responsável, cumpro meus compromissos, não roubo, não
minto, não mato e tenho amigos que me dão força. Tenho meus defeitos
também, porque não sou santo, mas participo ativamente da vida do
meu país. Para mim, ser homem não é sair dando porrada nas pessoas,
como ser mulher não é ser submissa, ficar em casa segurando o chinelinho
para o marido. É preciso parar com o sexismo, e ver que aquilo que
existe é a dignidade do ser humano. (1994)


[ O mundo se divide entre caretas e loucos e, se você é louco, não tem direito a
nenhuma dignidade. (1996)


DINHEIRO
[ Eu queria mesmo era ganhar na Loto, ser rico e milionário. Queria
ser um bastardo gordo e nojento, rico e sem responsabilidade. É claro
que não, não é isso. (1988)

[ A única verdade que existe, hoje em dia, é o dinheiro. E, como a
gente está no Brasil, onde o dinheiro não tem valor fixo, pira a cabeça
das pessoas. (1989)

[ Eu já coloquei na minha cabeça que eu quero ganhar dinheiro. A gente tem muita
sorte! Por um milagre, caímos no gosto popular. (1990)

[ Que importa se é o Humberto [Gessinger, dos Engenheiros do Havaí] ou o Russo quem escreve melhor? Que bobagem, eu faço música para ganhar dinheiro] Não foi o Humberto que disse que todos nós somos umas putanas?
Eu tenho aluguel para pagar. (1992)

[ Eu vou estar sendo completamente hipócrita se eu estiver trabalhando
para uma multinacional e não disser que fazer dinheiro é importante.
É. Eu não faço as coisas por dinheiro, mas o dinheiro é a motivação
principal. Nós já sabemos como funcionam as gravadoras: se você não
tem sucesso, bye-bye. E, talvez, se a gente estivesse começando agora, a
gente tentaria um outro caminho, a gente tentaria um caminho como o
Sepultura, por exemplo. (1993)


[ É mais fácil você ganhar dinheiro na frente de 60 mil pessoas, rolando
no chão e dando escândalo, do que ficar de terninho cor-de-rosa falando:
"Gente, vamos de paz e amor no mundo". O rock'n'roll faz parte disso.
(1994)


DISCIPLINA
[ Eu sou um cara muito disciplinado no trabalho. Existe o momento
de criação e existe o momento de trabalhar. Tem aquele dia em que
você tem aquela idéia ótima para escrever um livro, e depois têm os
dias em que você vai escrever o texto, fazer as correções. Mas os dois
casos são interessantes, porque eu gosto do meu trabalho. (1995)


DISCOS
[ Meu primeiro disco, eu me lembro — tinha 5 para 6 anos —, foi um
dos Beatles. Eu pedi qualquer coisa dos Beatles. Meus pais não
compravam LP, era muito caro, mas o disquinho eles compraram. E
esse disquinho tinha quatro músicas, em vez de duas. Tinha Twist and
shout, Do you want to know a secret e mais duas de que não lembro.
(1989)

[ Um disco que me marcou muito foi Construção, do Chico Buarque.
Aquela coisa da primeira letra feita com proparoxítonas — plástico,
tráfego... —, todo mundo comentou na época. Eu fiz uma anotação
mental: se algum dia eu escrever alguma coisa, será algo assim. Depois, fui aprendendo a eixar apenas o essencial. Mas as letras da Legião não têm nenhuma palavra difícil: "Todos os dias quando acordo/Não tenho mais o tempo que passou"... (1989)


DISCOS DA LEGIÃO
[ Posso falar: "Hoje vou ouvir". E faço como trabalho, analisando. É
aquela coisa que o padeiro fala, quando oferecem pão a ele: "Chegai"
(1995)

DISCOS SOLO
[ A banda é a coisa mais importante para mim. Não gravei disco solo
porque estou insatisfeito, nem nada. É que a gente tem uma base sólida,
a meu ver. Eu tive essa idéia e foi bom, porque comecei a aprender
algumas coisas novas e, também, a utilizar coisas que eu aprendi ao
longo do tempo. (1994)

[ É exatamente porque a banda já tem uma base sólida que eu posso
fazer um disco só meu. E, além disso, o Stonewall [Celebration Concert]
é um disco gay, são coisas minhas, e não acho legal ficar usando a Legião
para isso... Tenho lido coisas do tipo "Renato Russo cansou de brincar
de rock". Não é nada disso. Gostaria que o meu disco chamasse ainda
mais atenção para o trabalho da Legião, para que todos vissem como
nós somos melódicos. (1994)

[ Agora que a carreira da Legião Urbana está mais sedimentada, e o
público já conhece a gente, então surge uma curiosidade natural de ver
se a gente tem a capacidade de trabalhar de outras formas, se a gente
tem a capacidade de fazer outras coisas. E o meu caminho é sempre a
música. Por exemplo, o Dado Villa-Lobos, que é o guitarrista da Legião,
ele está trabalhando como produtor, ele fez o próprio selo, ele tem a
gravadora dele, está trabalhando com outros artistas.

Esse é um caminho ue ele acha mais interessante, que é mais instigante para ele. No meu caso, como eu gosto muito de cantar, ao invés de produzir outros artistas
ou trabalhar com outras pessoas, como o Dado tem feito, eu prefiro ver se não consigo antar outras canções, que não foram feitas ainda dentro do trabalho da Legião Urbana.

E a gravadora tem dado um apoio muito grande, eu fiquei muito surpreso com o apoio que les deram para esse disco [Equilíbrio Distante]. Eles ouviram as canções, antes até de eu gravar, e se apaixonaram e falaram: "Poxa, Renato, super cem por cento, vai em frente ue vai dar certo". E foi isso. Não têm maiores mistérios, eu acho. (1995)


[ Depois de dez anos, sem desmerecer o trabalho principal, os membros
de um grupo vão tendo outros interesses, e este foi o meu. O Bonfá está
trabalhando com computação gráfica. O Dado tem o selo Rock It!.

O ue eu gosto mesmo é de música. É de cantar. Eu tinha algumas outras
opções, como escrever, trabalhar com cinema, mas o que eu queria
mesmo era continuar trabalhando com música. (1995)


[ No Stonewall, eu pude trabalhar com outros músicos, com outras
convenções musicais. A grande brincadeira dos discos solo é entrar mais
pelo lado da mídia, para ver como a coisa funciona. Quero fazer várias
entrevistas, fazer Xuxa Hits. Acho que o trabalho permite isso porque
é um outro conteúdo. Não é a minha vida que está ali, na linha. Legião
é uma coisa que o público percebe como sendo além de música. Nos
discos solo, estou fazendo só música. (1995)


DISTRIBUIÇÃO DOS DISCOS
[ Eu não reclamo da divulgação. Eu reclamo é de não ter o disco na
loja. (1995)

[ Eu estava puto com a gravadora, porque o Stonewall, virtualmente,
não aconteceu. Aconteceu depois... Mas, durante três meses, não tinha
disco na loja. Eu fiz um trabalho intenso de divulgação — era página
inteira na Folha de S. Paulo...

Não tinha na loja porque não tinha na loja.
O disco foi lançado em julho e só apareceu na loja em outubro. Foi na
época do Plano Real, e eles não acreditavam naquele disco. Não sei,
teve toda uma história esquisita, e o disco não vingou como poderia ter
vingado. A Zélia Duncan apareceu com Catedral e alguém apareceu com Send in the lowns. Danilo Caymmi, não sei. Só sei que o disco sumiu. E aí, depois, no fim do ano, esteve em todas as listas de melhores do ano. (1995)

[ Se a Rock It! tiver uma boa distribuição, a gente vira artista da Rock
It!. Não sei de onde é que a gente vai tirar os 90 mil dólares para gravar
o disco, porque a gente tem que tirar este capital de algum lugar. Essa é
uma vantagem da gravadora, porque eles preparam tudo para você.
(1995)

DOCUMENTAÇÃO
[ Precisamos de documentadores, precisamos de bibliotecários, precisamos ter o
nosso próprio trabalho registrado. Os meus amigos pintores não têm suas coisas
organizadas. Flávio Colker não tem um histórico do trabalho que ele já fez. A gente
não tem tempo. É um dragão por dia! Angela Maria não tem onde buscar uma
retrospectiva real de sua carreira, a não ser pelos fãs malucos. O próprio artista
brasileiro não tem suas coisas, apenas gavetas cheias de papéis. (1996)


DOCUMENTAÇÃO DE SUA CARREIRA
[ Eu me preocupo com isso. Bem, o que tem que ser cuidado está
sendo cuidado. A documentação está sendo feita. Não como eu gostaria,
mas está... Têm coisas que passam sem registro. Aquelas pequenas coisas.
(1996)


'DOIS'
[ Este disco tem um fio condutor, uma idéia central. A gente, que se
liga muito no rock, sabe que os grandes discos são uma idéia. Você pega
Sgt. Pepper's, dos Beatles, o primeiro dos Sex Pistols — são uma idéia,
um conjunto.

Neste disco, ao invés de falar mal das pessoas que poluem os mares ou das guerras, a gente prefere falar do universal, da experiência individual de cada um. Todo mundo respira, todo mundo sonha, todo mundo é confuso sexualmente, até certo ponto, todo mundo tem medo da morte.

Então, a gente quer falar sobre isso: do ponto em comum que une todas as pessoas. (1986)

[ Acho que a mudança principal não será na música, na textura
instrumental das faixas, embora isso seja justamente o que vai chamar
mais atenção a princípio. Este disco não tem nenhuma Geração Coca-
Cola. Não estamos mais a fim de cuspir em cima dos outros.

Eu acho que isso foi coisa de um momento, já foi feito. Têm outros conjuntos
que estão seguindo essa linha, acreditam nisso, acham uma coisa muito
legal. Tudo bem, não tenho nada contra, mas partimos para outra. A
mudança se manifesta mais na temática.

A gente está pegando exatamente o que a gente falava no primeiro disco, mas, ao invés de ser aquela coisa corrosiva, aquela coisa de atacar, estamos tentando dar um recado. Está todo mundo muito sozinho, se ligando muito nas máquinas.
O importante é saber de sua família, das pessoas que estão próximas de
você, e não copiar o cara que está na televisão. (1986)


'DOLCISSIMA MARIA' [música do disco solo Equilíbrio Distante]
[ Dolcissima Maria, do Premiata, eu ouvia naquela época em que ficava
romantizando pelo fato de eles estarem gravando pelo selo de minha
banda favorita aos 14 anos, que era Emerson, Lake & Palmer.

Fizeram uma versão em inglês da música, e eu tenho memórias dessa época,
porque aqueles anúncios do governo — da Força Aérea e até da
Campanha da Fraternidade — usavam Thick as a brick e Viagem ao
centro da terra, do Rick Wakeman.

E tinha um anúncio de Moderato, eu acho; foi um dos primeiros anúncios filmados em película. Eu não sei se era Moderato ou L'Oreal, mas era uma menina loura, andando numa floresta, e tocava Dolcissima Maria, com teminha e tudo.
Aí eu
falei: "Ah, eu vou colocar essa". Porque remete ao rock progressivo e tudo. (1995)
[ Uma música que eu gostei muito de gravar foi Dolcissima Maria, que é uma belíssima homenagem a Nossa Senhora, e ainda por causa dessa disputa religiosa por que passamos aqui no Brasil. (1995)


DOR
[ Estou num momento complicado, difícil, mas estou sereno. A dor é
inevitável, mas o sofrimento é opcional. (1995)


DROGAS
[ Não quero mais ficar usando drogas, a ponto de perder o fio da meada.
E que nem doce: pode ser bom comer um doce de vez em quando, mas
o excesso é que te faz perder a cabeça. Tudo que é excesso não presta,
como excesso de discos vendidos e excesso de talento, que não é meu
caso. Teve fase em que eu precisei tomar droga para funcionar. Agora,
quero parar e ficar com os pés no chão. (1987)

[ Há um consumo de drogas muito grande em apresentações de rock,
isso é notório. Uma coisa muito comum entre a juventude de Brasília é
o loló, e ele leva à violência. Sou contra qualquer tipo de drogas. É
como a gente diz em Conexão amazônica: "Alimento para cabeça nunca
vai matar a fome de ninguém". (1988)


[ Parei não foi por medo, nem nada. Simplesmente não tinha mais
prazer em tomar um ácido; me sinto bem quando estou feliz e careta.
Antigamente, quando estava feliz, usava a droga para exacerbar e me
sentir melhor ainda. Bebida também não é a solução. As coisas estão de
tal maneira que o que vai te dar felicidade é, justamente, ficar careta
porque todo mundo está louco. (1988)


[ Você não pode ter uma boa relação com as drogas. As drogas são uma coisa muito
negativa. (1989)
[ Em Brasília, rolou aquela coisa bem de Christiane E. Eu fiquei até
muito chateado, porque depois, num review do show da Legião, falaram
que eu fazia posturas nazistas, falava de drogas como se soubéssemos o
que era aquilo.

Eu não pude falar na época, mas me deu vontade de
dizer: "Olha, a gente não só sabe como é, como a gente viveu isso
também". Agente fazia qualquer coisa para se divertir. Se alguém tivesse
uma idéia, tipo "vamos dar um passeio de bicicleta", todo mundo ia. Era tão louco!
Passeio de bicicleta ou baseado! Não tinha muito parâmetro. Era uma coisa,
naturalmente, muito irresponsável. (1989)


[ Deus me livre! Eu quase morri com isso. Eu tenho me esforçado
muito para sair, e estou conseguindo. (1991)


[ Eu não sei se seria a favor da liberação total, mas acho que não pode
continuar como está. A droga é só mais um sinal de que as pessoas são
manipuladas.

Porque, se as pessoas tivessem mais dignidade, mais
respeito entre si, eu acho que a droga ficaria no seu devido lugar. Acredito
que existem pessoas que gostam de usar drogas, gente que sente prazer
com isso, mas elas devem ser uns três por cento da população. Hoje em
dia, todo mundo usa, e quer, porque não se tem saída para nada.
Ninguém se encontra. (1991)

[ A coisa vai num crescendo. Depois que você faz sucesso, todos te
oferecem, aparecem os traficantes de plantão. Experimentei de tudo,
mas sempre terminava em álcool e tranqüilizantes. No bar e na farmácia.
(1994)


[ Eu era assim: o álcool eu pegava no bar e o tranqüilizante eu pegava na farmácia. Hoje eu não faço mais nada, absolutamente nada. A única coisa que sobrou foi o cigarro, e eu estou tentando largar essa coisa. (1994)

[ De repente, é um saco ter a pessoa sempre de mau humor, pelos cantos. Todo
mundo se divertindo na piscina do hotel e eu lá, trancado. No começo, tem até um certo glamour, mas não leva a nada. (1994)

[ Sei que, quando o Sid Vicious, do Sex Pistols, morreu, tomei o primeiro porre
da minha vida. E, a partir daí, comecei a usar muitas drogas. É, quer dizer... eu já
usava, mas era em fim de semana. Até essa época, eram só bagulhinho e álcool. A
cannabis [maconha], você sabe, afeta a memória, mas acho que já tínhamos formado o Aborto Elétrico. (1995)

[ Eu acho muito bonito o Robert Plant e o Jimmy Page dizendo:
"Quando a gente usava heroína, nossa espiritualidade foi para o buraco".
E vai. Se você está quebrando o teu ritmo e a tua energia, você vai pagar
por isso. É espiritualidade zero. Se você encher este copo pela metade,
tem gente que vai achar que ele está quase vazio, mas tem gente que vai
achar que ele está quase cheio. (1995)

[ Infelizmente, a droga é um meio de confraternização social. No meio
artístico, quando você faz sucesso, todo mundo oferece droga. E você
vai pegando porque o negócio é bom. De madrugada, no estúdio, quando
alguém faz uma presença, você vai tomar um cafezinho? E comigo ainda
tinha essa história de romantizar. E o pior é que a coisa chega a um
ponto que é vergonhoso.

Eu vi que a situação estava feia quando começaram a dizer que eu armei cena em festa que eu nem fui, só porque já era lugar-comum. É completamente degradante, e eu gosto e falar sobre isso porque me dá força. Faz parte da programação, para
nos lembrar como era ruim. E o negócio é que não tem meio-termo. (1995)

[ Tomei ácido umas quatro vezes, e foi uma coisa que realmente mudou
minha cabeça. Foi uma coisa de "uh!", de sentir as moléculas, o yingyang,
tudo. Você chega para o sofá: "Oi, sofá, você é meu amigo, sabe?".
É uma coisa muito assustadora.

Agora que estou limpo, vejo o quanto a droga é pesada. Se eu preciso de um baseado para gostar de um filme, é porque o filme não presta, eu não deveria estar assistindo. (1996)

'1965 (DUAS TRIBOS)' [faixa do disco As Quatro Estações]
[ Esta é a música mais política de todas no disco. Fala da tortura e é
sobre aquela época em que fazíamos redação sobre o país maravilhoso
que o Brasil seria no futuro, e em que achávamos que os presidentes
eram o maior barato. (1990)

[ Esta música é sobre um momento do nosso país, em que, de repente,
fechou tudo. Eu acho sempre importante lembrar — eu, pelo menos,
gosto sempre de me lembrar — que hoje a situação pode estar difícil
para caramba, mas a gente tem uma coisa muito preciosa, que é a liberdade.

Então, eu posso vir aqui cantar, vocês podem vir aqui, vocês fazem o que vocês quiserem. Isso eu acho uma coisa muito, muito importante. A gente se esquece de que, até pouco empo atrás, dependendo das idéias que seu pai tivesse, seu irmão, seu namorado, ia bater gente na sua casa, eles iam pegar essa pessoa, e você nunca mais ia saber o que tinha contecido com essa pessoa. E ficou por isso mesmo, e não se fala nisso.

É uma coisa muito perigosa, eu acho, a idéia: "Não, a gente era feliz naquela época". Gente, eu não me lembro de ser feliz naquela época, não! Fazer redação dizendo que o presidente maravilhoso, quando, muito tempo depois, a gente descobre que as pessoas estão sendo mortas, em nome de uma grande coisa que não se sabe o que é. Eu acho isso péssimo.

E a música é sobre isso. A música fala especificamente de tortura, e fala dessa
idéia toda de o Brasil ser o país do futuro. E sobre como seria legal se a gente
encaminhasse o Brasil para ser um lance legal, porque chega de ser o país do futuro! A gente tem que ser o país do presente, a gente tem que viver agora. (1994)

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