BALANÇO
[ Nosso primeiro disco é pop, não é rock. Aquele de que eu mais gosto
é o V, que tem as melhores letras, mas é muito melancólico. Eu gosto
do lado dois de O Descobrimento do Brasil. Os discos são muito
interligados, e as letras tratam do que é ser um jovem urbano no Brasil.
Não tem nenhuma música da qual eu me envergonhe. (1995)
'BANANA'
[ Consegui me dar bem com mulheres fortes, sensíveis. Mas tive
problemas com um tipo de mulher: as muito presas a status quo, que
me achavam um banana. Essas estão inseridas num grupo que acha que
homem, para ser macho, tem que maltratar, ficar em cima, declarar
supremacia; no pacote, tem que vir isso. Como eu não me adaptava de
jeito nenhum, era um bananão. (1995)
BANCO DO BRASIL
[ Meu pai veio para o Rio para trabalhar no Banco do Brasil e inaugurou
a geração classe média urbana da família, que, antes, plantava mate no
Paraná. E tome Banco do Brasil, muito Banco do Brasil... Isso influenciou
muito minha vida. Hoje, não sei... Mas eu sempre tive muita estabilidade
na vida por causa do banco. Mesmo na época da revolução. Meus amigos
contam outro tipo de história. Para a gente, era assim: o Brasil está indo
para a frente e nós estamos indo junto. Eu nunca soube de nada das
coisas que aconteciam. Achava o Médici [general Emílio Garrastazu
Médici] o maior presidente do mundo. (1995)
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BANDA DE ESTÚDIO
[ Nós já vivemos toda a coisa da estrada, de passar fome. Nós já fomos
underground, pauleira, pop, stadium band. Agora, somos uma banda
de gravação. Porque, se o disco é bem-feito, ele sozinho se faz. O interesse
é natural. (1988)
[ Eu não gosto de nada! Eu gosto é de compor, entrar no estúdio,
encontrar os rapazes, trabalhar a obra, pensar na capa e pronto: coloca o
disco na loja. A gente é artista de gravação. O Lou Reed falou isso: "l'm
a recording artist", não um poeta. Ele é um artista que grava, e esta é a
visão que eu tenho da Legião. (1996)
BANDAS
[ A Legião nunca teve concorrência com ninguém. Tinha uma
concorrência acirrada entre a Plebe e o Capital, não sei bem por qual
razão. Acho que é porque o Fê e o André Müller tinham combinado
cora o André Pretorius de fazer uma banda — ele ia ser o guitarrista, o
Fê, baterista, e o Müller, quando chegasse da Inglaterra, seria o baixista.
Só que eu entrei no meio e fiz o Aborto Elétrico, primeira versão. (1989)
[ Talvez, mais tarde, a gente veja que houve um mal-entendido com
algumas bandas — que, a partir do terceiro, quarto trabalho, vão mostrar
sua identidade. Mas isso não existe, porque estamos nos anos 80,
entrando nos 90, e você tem que deixar sua marca no primeiro disco,
senão, você dança. (1989)
[ Para mim, as bandas mais importantes são Gang of Four e Public
Image Limited [PIL]. Para minha grande vergonha, ouvi Nevermind,
do Nirvana, e não me entusiasmei. (1993)
[ Teve aquela explosão em 81, 82, 83, em que apareceu todo mundo
— Barão, Kid Abelha, Paralamas, Titãs, Engenheiros, Blitz, Lobão, e
gente e tal... Eu sei que aí, de repente, ficou um hiato, demorou um
tempão para aparecer gente nova, e a gente virando dinossauro
Dinossauro, tudo bem; mas já estava na hora de aparecer gente nova
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Eu acho muito legal, porque parece que é assim: quando fica realmente difícil, é que as
bandas aparecem. E isso é uma loucura! Porque, de repente, parece que dá uma coisa
nas pessoas: "Então vamos fazer mesmo!". É que nem a gente em Brasília. Talvez isso
explique até o fato de não ter aparecido nada novo, justamente, quando as coisas estavam
andando. Que era fácil fazer show no Circo [Voador, no Rio de Janeiro], ficava
aparecendo na MTV, não sei o quê. De repente, teve um hiato, sumiu tudo, aí o pessoal
passou a trabalhar sozinho. Isso eu acho muito legal. O pessoal se organizar mesmo, juntar
os amigos, as bandas, ir em frente e fazer. (1994)
[ É legal que estejam aparecendo tantas bandas novas e que o pessoal
das antigas esteja dando força: os Titãs com o Banguela e o Dado com o
Rock It! [selos independentes]. Acho que os Raimundos são um sopro
de vida. Gabriel, O Pensador é uma figura superlegal. Raimundos é a
segunda ou terceira geração de Brasília. (1995)
[ Têm alguns grupos que eu respeito para caramba. Os Titãs,
principalmente da época do Arnaldo [Antunes]. Acho Jesus não tem
dentes no país dos banguelas um dos melhores discos de rock de todos
os tempos. Geralmente, gosto de ouvir outras coisas, como Kid Abelha
e Paralamas. Já ouvi muito Pink Floyd, aquele disco da vaca [Atom
heart mother]. Era só acordar e ir direto ouvir, até furar. Não tenho
mais 14 anos, estou a fim de ouvir outros sons, além de rock. (1995)
'OS BARCOS' [faixa do disco O Descobrimento do Brasil]
[ Sempre quis fazer uma música que falasse em "um outro alguém", o
someone else do Jimmy Webb, cantado pelo Art Garfunkel. (1993)
BARRA PESADA
[ Fizemos uma apresentação muito grande em Brasília, no ginásio de
esportes, para 20 mil pessoas. Vinte mil pessoas em Brasília é muita
gente! E morreu gente lá. Eu só descobri isso porque fiquei em Brasília.
Um belo dia, eu estava no hotel e um dos caras de lá chegou e me
disse... Tinha uma garotada, uns fascistas — porque, em Brasília, têm
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muitos — com canivetes, e eles ficavam empurrando as meninas para baixo. E as
meninas todas apavoradas. Eu sei que chegou uma hora em que despencou toda a
estrutura que segurava o mezanino, e uma menina caiu e bateu com a cabeça no ferro. E a
gente cantando: "Brigar para quê se é sem querer"... Isso fodeu com a minha cabeça.
(1988)
BEACH BOYS
[ Agora, o que eu queria mesmo — meu sonho — era ser os Beach
Boys. Era o meu sonho. Eu acho as coisas dos Beach Boys mais bonitas
do que as coisas dos Beatles. Têm coisas que, ouvindo, a gente diz:
"Como que esse homem fez isso?". Agora, os Beatles são os Beatles, não
é? (1995)
THE BEATLES
[ Eu era mesmo fã dos Beatles. Quando eles acabaram, eu queria morrer.
Eu achava que era o maior fã do mundo... (1986)
[ Eu pedi para o Dado e para o Bonfá perguntarem aos caras lá de
Abbey Road [estúdio onde foram remasterizados os discos da Legião
Urbana, em Londres] o que é que eles achavam do nosso som. Já que
eles estariam ouvindo toda a obra da Legião, eu queria saber se eles a
achavam legal. Bem, eles estavam lá ouvindo o disco, e o Dado me
contou: "Pois é, o que é que isso lembra?". Estava tocando Eu sei e eles
já haviam ouvido os dois primeiros discos. Um parou e disse: "Parece
Beatles". Isso me deixou tão feliz! Porque eu vejo uma influência tão
grande dos Beatles, e ninguém fala. Ninguém fala. Não é uma coisa
muito clara. Mas, aí, eu falei: "Será, Dado?". Nós estávamos ao telefone,
depois eu fui ouvir Eu sei. Eu nunca havia me tocado, mas aquelas
guitarras parecem coisa do Tomorrow never knows. É uma coisa tão
impressionante!. (1995)
BEBIDAS
[Água de coco, chás e água. (1994)
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BEIJO
[ Meu primeiro beijo foi aos 9 anos, com minha namorada nos Estados
Unidos. Achei a coisa mais nojenta. (1994)
BERTOLD BRECHT
[ Eu estava lendo Brecht, depois de anos. Gente, aquilo lá parece que
foi um garoto da UnB que escreveu! Mas, batata: está tudo lá! Tem uma
frase que diz: "Quando os governos começam a dizer que não vai ter
guerra, é porque a guerra já está acontecendo". (1994)
BOB DYLAN
[ Eu não sou dono de nada, eu não entendo de nada. Só que eu gosto
de falar como Bob Dylan. É porque, na época, as pessoas eram
completamente idiotas, mas eu já li entrevistas magníficas com Bob
Dylan, quando ele, de repente, percebeu que podia pelo menos abrir o
jogo e falar um pouco de verdade. Três ou quatro anos atrás, esse era o
discurso do Bono [Vox, do U2]. Agora a gente aprendeu a mentir. Todos
passam por este processo, eu acho que é humano. O rock'n'roll
romantiza. Existem mentiras e existem mentiras. Estou falando com
relação ao trabalho, dentro do que a gente faz. E só. (1996)
BOCA SECA
["Tudo começou quando, em dezembro de 1980, fui convidado por
um amigo para tocar em sua loja de discos, show que aconteceria em
janeiro de 1981. Formei o grupo Boca Seca e o seu tipo de música era
um rock progressivo bastante trabalhado (instrumental). Embora fossem
dadas várias apresentações, o grupo se desfez em julho de 1981. Cada
um foi para o seu lado e, logo depois, Eduardo Paraná foi convidado
para montar um grupo de rock brasiliense, que tocaria músicas de Brasília
para dançar, ouvir e, principalmente, gostar. Um metal pesado seria a
base do grupo, formado por Bonfá, bateria; Renato, baixo; Paraná,
guitarra; Paulo, teclados". [Trecho de um texto escrito por ele para registrar
os primeiros passos da Legião Urbana] (1982)
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BOSSA NOVA
[ Os italianos conhecem mais Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto
Carlos. Quis colocar algumas coisas brasileiras no disco [Equilíbrio
Distante] e ficou até engraçado, porque não entendo nada de Bossa
Nova. Mas resolvi gravar Wave e Como uma onda, para ter algo brasileiro
e para fazer uma homenagem para o Tom Jobim. (1995)
BRASIL
[O Brasil é um país que não é uma nação, onde a vítima é ré, e não se respeita mulher,
negro e homossexual. (1987)
[ Você vê, pela quantidade de pessoas que querem ir embora, o
aviltamento profissional de tanta gente, a falta de perspectivas. Mas eu
acho que é justamente nas situações extremas que as coisas podem
mudar. O povo brasileiro, na verdade, tem muito bom coração. (1988)
[ No final do ano, quero viajar. Aqui, não dá para trabalhar. Não agüento
mais ouvir meu avô reclamar da pensão. Lá fora, está todo mundo rindo
da gente. (1988)
[ É mais fácil entrar para as Forças Armadas do que ter um ensino
decente. Meu país tem nome de remédio: Brasil, Doril... Meu país só
tem me dado dor de cabeça. Inflação zero... só se for na casa dele.
(1990)
[ Nós já cantamos o caos, a situação desesperadora do país. E, agora, o
que resta? O caos continua aí. (1991)
A gente não é como esses caras. Eu sou brasileiro! Esses caras não são
brasileiros. Polícia que mata criança, traficante... essas pessoas assim
são animais. A gente acredita no Brasil. Existem muitas coisas legais.
Ficam querendo que a gente seja ladrão, que seja do jeito que eles são.
Nós não somos, não. (1993)
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[ Olha, a ignorância é vizinha da maldade. Isso é batata. Mas o que está
acontecendo no Brasil... Eu acho que talvez seja o último estágio... Isso
vem desde o descobrimento do Brasil. Para cá vieram ladrão, louco,
preso político, entendeu? Essa corja está aí até hoje. O povo, mesmo,
está todo mundo ciente disso. (1994)
BRASÍLIA
[ A gente fazia rock por necessidade lá. Além de ser uma necessidade
de você ir contra o tédio da cidade, é uma necessidade física mesmo,
de você se expressar. Ao passo que, se eu estivesse aqui no Rio, ia à
praia, ia comer um sanduíche natural, e não teria tanta necessidade
assim. Acho que Brasília é importante por causa disso, você tem essa
motivação. É uma cidade que te inspira, é uma coisa muito dela, é uma
cidade muito bonita. Tem um certo astral, não parece uma cidade
brasileira. Agora, acho que as pessoas em Brasília poderiam se organizar,
ter uma espécie de organização comunitária, talvez até a nível político,
para ajudar as satélites. Acho que o Plano Piloto vive numa ilha, isso é
uma coisa muito negativa. Não é tão difícil você prever que possam
surgir problemas, num futuro próximo, por causa desse disparate social
que existe. Da última vez que fui, senti isso, um ressentimento bravo
das pessoas que circulam pela Rodoviária. Não estou dizendo que todo
mundo na Ceilândia tem que ter piscina, mas respeitar um pouco os
outros, não ser esse exagero de mordomias que é Brasília, esse exagero
de ostentação. (1985)
[ Eu adoro Brasília. Para mim, é a melhor cidade do Brasil. Futuramente,
eu quero novamente morar em Brasília. Muita gente reclama que aqui
não tem nada para fazer, mas, se você procura você acha. No Rio e em
São Paulo, existem mais alternativas, mas é aquele circuitozinho. Você
sai do cinema e tem que se defrontar com aquele calor, com aquela
poluição. Aqui, você sai da Cultura Inglesa e aspira um ar puríssimo, e
pode sair por aí caminhando tranqüilamente. E existe o intercâmbio
cultural com as embaixadas e com as próprias pessoas. Você encontra
pessoas aqui de todos os cantos do país, de todas as profissões, com
todos os backgrounds possíveis. Isso dá uma interação de relacionamento
humano, emocional, que eu acho muito legal, ao contrário das grandes
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metrópoles, onde hoje só existem as tribos superfechadas. (1986)
[ Sabíamos, antes do resto do país, das declarações políticas do
Congresso Nacional. Minha tribo também buscava informações sobre
os acontecimentos — não só políticos, como artísticos e culturais. Brasília
proporciona essa facilidade de acesso. Víamos filmes estrangeiros um
ano antes de entrarem em circuito nacional, freqüentávamos o Instituto
Goethe. Enfim, estávamos informados sobre tudo, e isso permitiu um
trabalho musical mais honesto e sincero. (1987)
[ A maior agressão para um jovem é morar em Brasília, porque você vê
todas aquelas coisas acontecendo no Planalto e no Congresso e não
pode fazer nada. (1988)
[ A capital das drogas... das drogas e dos suicídios. Mas, tudo bem, não
vamos falar mal de Brasília. (1989)
[ As pessoas em Brasília são mais extremas, parece que não conseguem
transar a cidade numa boa. É uma cidade com muito ar, muita árvore,
puxa pelo teu lado espiritual, e as pessoas têm medo de se descobrir. E
são orgulhosas, não conseguem admitir que aquilo é uma província.
(1989)
BRASÍLIA 1988 [sobre o tumulto ocorrido durante o show no estádio Mané
Garrincha, no dia 18 de junho, que resultou em uma morte e 385 atendimentos
médicos]
[ Eu não sei o que aconteceu em Brasília. Mas acho que o que houve
foi uma espécie de catarse coletiva, levada para um lado errado. As
emoções das pessoas vieram à tona, foi uma coisa muito visceral. No
caso da banda, a gente entrou inocentemente, a gente realmente achava
que ia ser uma festa, sem pensar que seria perigoso juntar 50 mil pessoas
em Brasília. A gente se esqueceu do badernaço que teve em Brasília,
que foi o mais violento de todos no país. O que aconteceu foi o seguinte:
perdeu-se o controle. Todos perderam o controle. Todos têm uma parcela
de culpa. Nossa parcela foi a de ter feito o show. Acho injusto as pessoas
dizerem que o que aconteceu foi porque a banda — principalmente eu
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— incitou a platéia. Porque, agora, é sabido que os atos de violência já estavam
presentes antes mesmo de se pensar em atraso do show. Às seis da tarde, na
Rodoviária, já estavam quebrando ônibus. Antes das nove e meia, horário marcado, já
tinha gente tacando morteiro nas outras pessoas, gente com as pernas fraturadas, com a
clavícula quebrada. (1988)
[ Só em Brasília eles brigam por tudo. Lá, estão quebrando o país, e os
jovens saem quebrando ônibus. Brasília é um foco de violência. Fomos
fazer uma festa e vieram com sete pedras nas mãos. Não pretendo voltar
para lá. Só voltamos quando der vontade. Daqui a uns cinco anos...
(1988)
[ Eu sempre quis falar isso: não vou pedir desculpas nem perdão, mas
eu gostaria de explicar que, se eu pudesse voltar no tempo, eu não faria
certas coisas que fiz. No caso de Brasília, eu faria tudo de novo. Da
próxima vez, ainda levava uma metralhadora giratória e matava um
monte de gente... Claro que não. É brincadeira. No caso de Brasília,
não faríamos o show. (1989)
[ Aquela postura "somos iguais aos fãs" não cabia mais. Eram 55 mil
pessoas e nós num palco superpequeno. Amadurecemos para ver que o
público precisa de segurança, alimentação, conforto etc. A polícia foi
conivente, batendo nas meninas. Viramos bode expiatório. Também,
nunca mais fizemos show lá. (1995)
BREGA
[ Quem sabe, o brega é alternativo? Aliás, desde o momento que o
brega apareceu, ele está sendo alternativo. Se eu fosse uma dessas donas
de casa que gostam de Barry Manilow, ficaria puto da vida de ligar o
rádio e ouvir AA UU [dos Titãs]. Assim como eu ficaria puto de querer
AA UU e não ouvir. E, aqui, no Brasil, é assim: não têm dois. Ou são
mil, ou é zero. (1988)
O Camisa de Vênus tinha aquela coisa beira de estrada, o RPM era
brega sem querer e a gente era — e é — de propósito. Quando eu estou
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me sentindo bem, quando estou pleno espiritualmente, eu fico completamente
retardado e idiota. (1994)
[ O que eu sei é que o que a gente chama da brega é o romântico
popular. (1995)
BROXANTE
[ Broxante, para mim, é a estupidez, é a pretensão. (1994)
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