sexta-feira, 1 de junho de 2007

LETRA "A"


ABORTO ELÉTRICO

[ Imagina ter um conjunto chamado Aborto Elétrico, numa época em que você não
podia nem ter conjunto. Uma vez, perguntaram ao Fé [Felipe Lemos], que hoje é
baterista do Capital Inicial, se ele era contra ou a favor do aborto elétrico, como se fosse
algum anticoncepcional a laser. (1986)
[ Tinha o Fê, que estudava na Cultura Inglesa e tinha voltado da Inglaterra. Ele
era meio hippie — tinha barba, cabelo comprido, mas usava calças rasgadas. Uma
coisa híbrida — hippie com punk. E Sex Pistols daqui, Sex Pistols dali... Até que
pintou o dia em que eu estava na Taberna e veio descendo um punk com a namorada
dele, um Sid Vicious loiro: era o André Pretorius. Eu cheguei para ele e a primeira
coisa que eu falei foi: "Você gosta dos Sex Pistols?". E ele: "Sex Pistols! Yeah! Jóia!". E
começamos a trocar informações. Eu tinha acabado de receber o segundo LP do Clash
[Give'en enough rope] e ele, o primeiro compacto do PIL. Isso já devia ser 78. Então,
bem: "Vamos formar uma banda?". Aí formamos o Aborto Elétrico — ele tocava
guitarra e eu, baixo. Eu fiquei enchendo meu pai para ele me comprar um instrumento. Foi
meio difícil, mas eu estava trabalhando e juntei uma grana, ele me ajudou, e comprei
um baixo. (1989)
[ Eu me lembro que a primeira apresentação do Aborto Elétrico foi num pequeno
barzinho no Gilberto Salomão, onde só se vendia cana — chamava, inclusive, Só Cana.
Tinham certas pessoas ligadas nos anos 70 que deram muita força. E a gente era
muito entusiasmado. Se encontrássemos alguém para contar a história dos Pistols e o
que esse Sid Vicious fazia, como era a história toda... Ou, nós mesmos, falando de como
era bacana a gente tentar fazer rock ' n' roll, reclamar da vida e tudo. Enfim, se
encontrássemos alguém que nos ouvisse, despejávamos tudo. Fomos, levamos umas
coisas, o Fê com caxumba, febre de 40 graus e, quando terminamos o set de cinco
músicas, o pessoal reagiu com: "Ehhhhhh! De novo!!". Porque brasileiro gosta muito de
uma zona. Então, dá-lhe zona. Aí, tocamos as cinco músicas de novo e, pelo que soube, a
cidade inteira falou disso depois. Ninguém nunca tinha ouvido falar de um grupo de
música chegar, tocar de graça e ainda fazer aquele barulho. O Aborto Elétrico não era
rápido — era lento, tipo Pistols, MC5 e Stooges. Nos colégios de classe média —
Objetivo, Elefante Branco, Marista —, o comentário era: "Você viu, aqueles caras são
maconheiros, blá, blá, blá..." (1989)
[ O nome Aborto Elétrico é justamente porque eles inventaram, em
68, os cassetetes elétricos que davam choque. Numa dessas batidas,
uma menina que estava grávida, nada a ver com a história, levou uma tal
daquelas cacetadas e perdeu a criança! Coisa de mau gosto! Então,
Aborto Elétrico era o que representava a música da gente. Agora, a
repressão existia em vários níveis, em todos os lugares. Tinha de se ter
muito cuidado com o que se falava — não podia falar mal do governo,
nada. Nem bzzzzzzz. E era só verem um grupo de jovens juntos que
vinham estragar, tipo desmancha prazer. Hoje ainda continua. Cada
quatro quadras têm uma viatura especial, com telefone especial. (1989)
[ O Aborto Elétrico acabou virtualmente quando o André Pretorius
foi para a África do Sul servir o exército e matar os negros. Eu passei do
baixo para a guitarra — ensinei o Flávio [Miguel], do Capital, a tocar
baixo e ele entrou na banda. Foi aí que comecei a usar as letras, porque
eu tinha vergonha de cantar. E, nessa segunda encarnação, já apareceu a
Blitx, o que facilitava as coisas. Eles tinham um amplificador e nós,
outro. Juntávamos os dois, bateria e, com isso, tocávamos em colégio,
festinhas, festas de aniversário. Até que foi crescendo, crescendo,
crescendo e... novamente acabou o Aborto Elétrico [março de 1982].
(1989)
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[ A gente era bem niilista, no sentido de que quase não fazia
apresentação ao vivo. Realmente, o Aborto Elétrico era só um projeto.
Mas, a partir de um determinado momento, tudo começou a se
cristalizar, porque, de repente, a turma cresceu. Tinha o pessoal que
estava nas bandas, tinham as meninas que ajudavam a gente a colar
cartazes, a fazer buttons. Tinham uns amigos nossos que construíam
guitarras, porque ninguém tinha dinheiro para comprar uma. Mesmo a
gente sendo de família de classe média alta, era muito, muito caro. Não
tinha esse mercado do rock. (1994)
[ Era ensaio todo fim de semana. Na fase do Aborto Elétrico, explodiu
tudo o que eu não vivi nos dois anos em que fiquei na cama [devido à
epifisiólise, doença que afeta as extremidades dos ossos]. Apareceu uma
nova geração no rock que dizia: "Você não precisa estudar música para
fazer rock'n'roll. Você pode pegar uma guitarra e fazer". Éramos os
punks. Nossos padrinhos foram os Paralamas do Sucesso. (1995)
ACID HOUSE
[ Odeio, odeio! Porque eu acho que não é rock'n'roll. Gosto daquela
coisa do garoto branco fazendo barulho com a guitarra. (1989)
ADOLESCÊNCIA
[ Vivi em Brasília dos 13 aos 23 anos, e ali, depois de algum tempo,
meu mundo da infância, que era muito seguro, começou a mudar. Se
entrar aqui o Júnior [uma auto-referência], com 8 anos de idade, é a
mesma pessoa. Talvez eu estranhe se entrar o Júnior com 16, 18 anos
de idade. Mas os valores são os mesmos. Eu era muito confuso. Foi uma
fase que durou muito tempo, até o comecinho da Legião Urbana. Eu
me perdi. Eu tinha uma vida de sonho. Aos 17 anos, acabou, sabe? Fui
para o mundo. Surgiram aquelas confusões sexuais da adolescência e
dúvidas. (1995)
[ Na adolescência, você quer ser aceito. Foi uma época muito
complicada para mim. Eu sabia que era sedutor e, como todo mundo,
também aprendi os códigos sociais para não me machucar. (1995)
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AGRESSIVIDADE
[ Eu sou psicótico, igualzinho ao Axl Rose [do Guns N 'Roses]. Se alguém
apronta alguma coisa, eu saio quebrando. Eu quebro, eu sou do tipo "eu
vou descer e vou dar porrada mesmo". E já fui muito criticado por
causa disso. Então, se é para ter problema, eu prefiro não sair. Porque,
depois, eu vou tacar pedestal, vou gritar com todo mundo, ficar puto
no hotel. Ninguém sabe desse tipo de coisa. Mas eu sou do tipo que
quebra quarto de hotel. A gente não faz publicidade em cima disso,
porque não precisa, e a gente não faz isso por publicidade. (1993)
[ Já houve um tempo em que eu achava necessário ter uma postura
agressiva. Era como eu, como a gente, queria se expressar, ora bolas!
Hoje, não acho mais. Porque a violência está na vida das pessoas. O
público demonstrava afetividade tacando coisas no palco, sendo
agressivo. Nós tínhamos uma postura agressiva, falávamos certas coisas,
mas, ao mesmo tempo, era uma coisa meio intimista e tímida. Talvez
isso desse abertura para o público agir daquela maneira. (1994)
[ Eu tinha uma postura agressiva porque não subo no palco para levar
lata de cerveja na cabeça, tipo James Taylor. (1994)
AIDS
[ A Aids coloca toda e qualquer ação humana sob outro prisma. (1988)
[ A inflação e a Aids acabaram com a segurança. As angústias voltaram
a ser básicas. E pessoais. (1988)
[ Veja a diferença do que acontece no exterior: na Europa, estão fazendo
filmes pornôs sobre safe sex! Toda essa movimentação em torno da
Aids só serviu para reforçar ainda mais a união do movimento gay. Aqui,
acontece o contrário: foi preciso matar o Luiz Antônio [Martinez Corrêa,
diretor de teatro] para os artistas iniciarem uma campanha, porque os
homossexuais estão acuados, com medo. Os hemofílicos estão fazendo,
estão lutando, mas precisava morrer o Henfil [cartunista] para este
problema sensibilizar a população? (1988)
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[ Era importante, como artista, eu me posicionar sobre a Aids. Sejamos
honestos. Há uma relação homossexual na música. Estou nos grupos de
risco. Só não sou hemofílico. Não quero ser o mártir da causa gay. O
preconceito vem do desconhecimento, do medo. (1989)
[ O homossexualismo mexia muito com a minha cabeça: poxa, se não
é errado, por que existe Aids? Até eu colocar na minha cabeça que Aids
não tem nada a ver com Deus. (1990)
[ Mas que baixo astral! Eu não estou com Aids. Que pergunta idiota!
Uma vez, no Circo Voador, também me perguntaram isso, e eu nunca
mais voltei lá. (1992)
[ Bem, o que eu vou falar sobre a Aids? Pratico sexo seguro desde
1986. E acho que a doença está mais ligada a um tipo de vida desregrada.
Já perdi amigos. É uma coisa brutal, terrível. Mas espero que agora,
passados dez anos, a situação melhore. Esta garotada que está aí é bem
mais informada. (1994)
[ Em se tratando de Aids, eu acho que os gays são as pessoas mais
organizadas neste sentido. Realmente, os índices diminuíram entre os
homossexuais, e agora existe o perigo de a Aids estar entre as mulheres
e entre os jovens. Todo mundo já sabe o que é; o melhor é todo mundo
tomar cuidado, (1994)
[ Eu estive em Nova York agora, e o que está morrendo de gente de
Aids... Mas é muita gente, é o holocausto. Todo mundo que trabalha
com foto, cinema etc... Todo mundo! E ninguém fala sobre o assunto
— não é como aqui. A sociedade inteira ignora isso. (1995)
[ Você sabe, não é legal falar isto, mas quem é realmente saudável tem
menos possibilidade de contrair Aids. Não faço mais as loucuras que
fazia antigamente. E têm certas coisas que caem na área da dúvida,
como sexo oral, por exemplo. (1995)
Eu me comporto como se fosse soropositivo? Isso é problema meu,
não abro. (1995)
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ALCOOLISMO
[ Nunca bebi pelo gosto, mas para ficar louco. Bebia Cointreau em
copo de requeijão... Mas isso foi o passado. Parei com tudo. Era um
movimento muito egoísta da minha parte, enquanto todos se
preocupavam comigo. (1986)
[ Bebo porque tem garoto de 15 anos sendo morto pela polícia e
menininhas sendo estupradas. (1993)
[ Não posso dizer que nunca mais vou beber. Mas posso dizer que não
vou beber hoje. (1994)
[ Evite a primeira dose. Eu sempre fui alcoólatra. Tudo começou com
o álcool. Só que álcool é uma droga aceita; então, não se considera
droga. Álcool é das piores coisas que existem. Eu tenho amigos
alcoólatras e vejo o processo dessas pessoas. Só que eu não falo nada. Se
a pessoa quiser ajuda, ela tem o meu exemplo. Eu falo do que está se
passando comigo. (1994)
[ Cancelamos os shows no Nordeste [em 1991, na turnê do V] porque
eu estava bebendo de cair, com tendências suicidas... No meu aniversário
[27 de março], pensando no meu filho, em mim, vi que não podia
continuar assim. (1994)
[ Não sou louco, sou alcoólatra. É diferente. Não vou ter vergonha de
ter cabelo preto, de ser canhoto. Sou uma pessoa pública, não acho que
deva mentir para as pessoas. (1995)
[ O alcoólatra não é sem-vergonha. Existe uma enzima que o corpo do
alcoólatra processa num ritmo duas a três vezes mais lento do que o de
uma pessoa normal. Então, ele acha que não é alcoólatra, porque todo
mundo bebe e fica bêbado; e ele, não. Com o tempo, o organismo
começa a precisar daquilo. E começam a aparecer problemas de
relacionamento. Virei aquele chato com quem as pessoas não podiam
falar, porque não sabiam qual seria a minha reação. (1995)
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[ Aquela história: bebia, porque sofria; depois, sofria, porque bebia. E
bebia muito para ser aceito, para que gostassem de mim. Sentia
insegurança, tomava umas doses, ficava espirituoso, virava o rei das pistas
de dança. (1995)
AMARGURA
[ A nossa geração, o pessoal mais novo, tem sempre uma saída para o
camp, uma liberdade maior para transar até o kitsch, enquanto as gerações
mais antigas da área de cultura têm uma coisa muito ressentida, muito
angustiada. E eu não quero ser uma pessoa amarga. Às vezes, eu leio uns
artigos no caderno Idéias [do Jornal do Brasil] e penso: "Pô, esse cara,
quando acorda, não deve nem sorrir para o sol nascendo". Fica uma
coisa muito deprê. Mas a Bíblia e a filosofia oriental ensinam que têm
coisas que não são dadas ao homem conhecer. Senão, ele já conhecia!
(1988)
AMIZADE
[ Entre as pessoas que ouviam rock — gozado, porque são as grandes
amizades que eu tenho até hoje —, o elo foi a música. Tenho um grande
amigo em Brasília. Outro dia, estávamos conversando e eu perguntei:
"Como a gente ficou amigo?". E ele me contou que tinha voltado de
Paris com uns discos e eu disse: "Oh, discos novos na cidade!".
Importados e tal. Aí, eu fui lá catar alguns e ficamos amigos. (1989)
[ Amizade é quando você encontra uma pessoa que olha na mesma
direção que você, compartilha a vida contigo e te respeita como você é.
Uma pessoa com a qual você não precisa ter segredos e que goste até
dos teus defeitos. Basicamente, é aquela pessoa com quem você quer
compartilhar os bons momentos e os maus, também. (1995)
Alguns amigos meus são os mesmos do passado e outros, não. Eu não
tenho muitos, mas tenho bons amigos. Se eu contar, realmente, não
devem passar de cinco. Mas têm outros. (1995)
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AMIZADE NA LEGIÃO
[ A gente se encontrava todo dia, vivia junto, morava junto
eventualmente, e chegou a um ponto de não se ter mais o que falar. Era
só abrir a boca para brigar. Ficava falando só de trabalho, e a amizade ia
embora. Agora, não; voltamos. Percebemos a tempo o que estava
acontecendo. (1987)
[ Nada no mundo vale a amizade do Paulo Ricardo e do Schiavon [do
RPM]. Nada no mundo vale a amizade do Jagger e do Richards [Rolling
Stones]. Se a gente [a Legião] acabar e ficar a inimizade, tudo o que a
gente fez não vale nada. Joga no lixo. (1987)
[ Você gosta das pessoas, mas, de repente, não gosta do que essas pessoas
se transformaram por causa do trabalho. Eu era superamigo do Dado,
mas não do Dado Villa-Lobos da Legião. Assim como ele não era amigo
do Renato Russo; ele era amigo do Júnior ou Renato Manfredini. Sei lá!
No meio de toda a história, não sabíamos mais quem era quem. (1988)
[ Nós temos amigos em comum. A gente não vive grudado. O Bonfá
faz um churrasco na casa dele, reunimos os amigos. Mas não é como
antigamente. O Dado gosta de jogar bola. São interesses diferentes. Eu
sou gay, tenho outra turma. Mas a gente sempre se encontra. (1993)
[ Para ficar fácil de a gente sobreviver ou, então, não ficar tão difícil, é
importante você ter, justamente, uma rede de amigos. E o que acontece
é que você vai descobrir, às vezes, que esses seus amigos e amigas são
mais do que a gente chamaria de amigos e amigas. São pessoas que
realmente fazem parte da tua vida, com quem você tem um contato
físico, com quem você tem uma troca espiritual. E, graças a Deus, eu
tenho isso no trabalho. Eu não vejo muito o Dado e o Bonfá, mas às
vezes a gente faz lá um cachorro-quente, domingo teve um churrasco, e
é uma delícia, porque estão as crianças, você fica numa boa, sem fazer
nada. Amigo é para a gente se divertir. (1993)
[ Como a gente tem uma relação de trabalho, é diferente. Têm o fato
de eu ser gay e uma distância que eu coloco. Porque acho o Dado o
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homem mais gostoso do mundo. E o Bonfá, o homem mais gostoso do mundo,
entendeu? (1995)
AMIZADE HOMEM/MULHER
[ Existe o momento em que vai pintar a atração. Mas, também, quando
existe uma amizade plena e o sexo aparece, é um outro tipo de sexo,
uma coisa mais de compartilhar. Eu acredito que, para haver paixão,
você não pode conhecer a pessoa a fundo. Senão, entram outras formas
de se relacionar, sem aquela coisa da paixão cega e tudo. E, na relação
hetero, existem tantas regras que, de repente, cortam uma naturalidade
que há na amizade. (1995)
AMOR
[ Não penso em amor. Ainda sou muito egoísta para ter um
relacionamento honesto com alguém. (1987)
[ O Okky de Souza escreveu na Veja algo que eu não falaria melhor.
Segundo ele, o amor na visão da gente, em As Quatro Estações, não é
uma coisa importante porque as religiões dizem que seja, ou então porque
é da natureza humana; mas porque pode ser uma espécie de passaporte
para outras reflexões e outras sensações. Eu acho isso muito bonito.
(1989)
[ O disco V abre falando assim: "Pois nasci nunca vi amor/E ouço dele
sempre falar". É assim. Nunca vi. Não existe. Acabou. (1992)
Depois que eu me apaixonei de verdade, e não deu muito certo,
então eu não consigo mais... Eu fico esperando, putz, eu quero sentir
aquilo de novo, mas aí, se começa, se o coração bate mais rápido: "Ah,
eu não sei se quero isso, não". Eu acreditei durante muito tempo em
amor romântico. Hoje em dia, eu não acredito em amor romântico,
não. Eu acredito em respeito e amizade. De repente, sexo e tudo. Ou,
então, expressão física. Mas é assim: respeito e amizade. Porque paixão,
essa coisa de amor romântico mesmo, acho que traz muito sofrimento
e sempre acaba. Você sofre, você fica pensando na pessoa, você não
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funciona direito. Ao mesmo tempo em que você descobre muitas coisas boas em você —
não sei, pelo menos comigo acontece isso —, eu descubro sempre as invejas, certos
ciúmes, uma certa possessividade, no meu caso, muito machista. E isso incomoda. Eu
sou ciumento, possessivo, italianão. Eu acho que o amor verdadeiro não passa por isso,
não. (1993)
ANALFABETISMO
[ Ora bolas, nós estamos numa sociedade que tem 60 por cento de
analfabetos. Eu prefiro falar numa linguagem simples, mas dizendo coisas
que realmente me são caras, preciosas, tipo: "Disseste que se tua voz
fosse igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria não só a tua
casa, mas a vizinhança inteira". Isso poderia ter sido escrito há dois mil
anos, como pode ter sido escrito agora. Daqui a dois mil anos, ainda vai
existir vizinhança. A gente pegou um dos sonetos de Camões e musicou.
Aquele soneto mais famoso, o soneto 11, que é: "O amor é um fogo
que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente". Se alguém procurar
Camões por causa dessa música [Quando o sol bater na janela do teu
quarto], eu já fiz o meu trabalho. E eu sei de gente que já leu Rousseau
e quis saber quem era Bertrand Russel porque citei os dois em uma
entrevista. (1989)
[ Acho deprimente que meu voto valha o mesmo que o de um
analfabeto. Isto é um crime, tanto quanto ter o que temos de analfabetos
no Brasil. E ainda se conformar com isso! (1989)
ANARQUISTA
[ Sou anarquista e individualista. Tenho uma visão poética, mas não
me considero poeta. Procuro o belo. (1995)
'ANDREA DORIA' [faixa do disco Dois]
Andrea Doria é a mesma coisa de Será: um jovem que quer mudar o
mundo, porque está tudo horrível. Coloca bem a questão da juventude,
ter sonhos, fazer planos e esbarrar neste mundo de hipocrisia, de mentira,
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do capitalismo, de consumismo. Andrea Doria é um navio que afundou. A idéia era fazer
uma imagem meio E la nave va [filme do cineasta Frederico Fellini, passado num
transatlântico]... Na hora de escolher o título da música, fizemos um monte de
mitologias para a coisa ficar legal. E, no caso, Andrea Doria é uma menina. A música é
um diálogo entre uma menina que era cheia de vida, alegria e planos, e que sempre me
deu força, mas, nesse instante, é quem está derrubada. Têm coisas que ela fala para mim
e têm coisas que eu falo para ela — o mundo está horrível, mas nós vamos conseguir,
vamos juntos etc. Quando você entra no mundo adulto, se não tomar cuidado, deixa
entrar o cinismo, fica jaded [cansado]. E a música é uma conversa em cima disso, e
termina justamente falando: "A gente tem toda a sorte do mundo" — sem especificar,
porque, bem ou mal, a gente não é favelado, não morre de fome. "Sei que tenho sorte,
como sei que tens também". [Declaração publicada em 1998 no livro Letra, música e
outras conversas, de Leoni]
ANOS 90
[ Não queremos ser diferentes, e, sim, que todo mundo tenha o direito
de ser como é. Eu não preciso me sentir mal porque não sou igual ao
garoto que está no anúncio do iogurte. É você ser sexy, charmoso, com
uma certa plasticidade corpórea. Cria-se uma geração de clones. Estes
são os anos 90. (1992)
ANOTAÇÕES
[ Faço anotações. Não sou original. Leio uma revista e anoto uma idéia
que tem a ver com o meu universo. Às vezes, também uso frases de
filmes, como "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã".
A cultura pop é justamente esse caldeirão. Escrevo todos os dias, e recorro
às minhas anotações quando vou escrever uma letra. (1994)
ARREPENDIMENTO
[ Sinto arrependimento quando não aprendo com meus erros. (1994)
[ Não conhecer a Programação dos 12 Passos [para recuperação de
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viciados] na época do Scott [Robert Scott Hickmon, que conheceu nos Estados Unidos
e com quem viveu no Rio de Janeiro]. (1994)
ARTISTAS
[ O artista tem milhares de preocupações, é uma pessoa
superangustiada. Você vê a vida de uma outra maneira, você é muito
mais sensível aos problemas. Têm dias em que eu nem leio o jornal. Só
pego, assim, e leio as manchetes principais; porque, se eu ler o jornal,
vou ficar superdeprimido e não vou querer sair de casa. Então, eu acho
importante que as pessoas tenham contato com outros tipos de realidade,
em vez de ficar só naquele mundinho, porque isso ajuda, mostra que o
ser humano não é só um tipo de pessoa. Existem os loucos, existem os
artistas, existem os caretas. (1985)
[ Às vezes, penso se não concordo com Platão. Na República, ele fala
que os artistas são nocivos para uma sociedade. (1988)
[ Vamos deixar claro: eu não gosto de um artista porque ele é preto,
ele é viado ou porque ele é americano. Eu gosto do artista pelo que ele
faz enquanto artista. (1992)
[ Eu acho que nós precisamos do mesmo de sempre — união, liberdade
de o artista poder trabalhar. O artista brasileiro não tem que matar um
dragão por dia. E precisamos ter mais chances civilizadas de conhecer
nossos pares... Esta frase é importante. O caso é que não vai ficar todo
mundo amiguinho. O que a gente precisa é de decência, sabedoria,
comida e trabalho para as pessoas. E foda-se o resto. Eu não falo isso
demagogicamente. Eu não preciso mentir, eu nunca menti. Quer dizer,
eu já menti aqui e ali, mas não é aquela coisa: "Oh, ele é falso, ele atira
em sua própria gente para provar que não é um deles". Isso tudo está
voltando, a gente está no fim dos tempos. (1996)
ASSÉDIO
[ Só não gosto quando as pessoas são agressivas. Aquelas que, mesmo
quando demonstram alguma afeição ou interesse, abordam de uma
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forma agressiva. Mas, na verdade, não gosto muito de sair de casa. Eu sou um pouco
sensível e tenho tendência à melancolia. Dá para ver pelo trabalho, não é? (1995)
ATORES
[ Todd Haynes, Gregg Araki e Collin Firth — o meu favorito. (1994)
ATRAÇÃO POR MENINAS
[ Não, absolutamente. Aos 4 anos, eu não brincava de médico com
meninas. Para mim, isso não tinha graça nenhuma. Eu sabia que sexo
era proibido. Sou de família católica, italiana. Sabia que tinham as
brincadeiras com as meninas, mas eu queria era ver como eram os
peruzinhos dos meninos. (1995)
ATRIZES
[ Cybill Sheppard, Diane Keaton e Monica Vitti. (1994).
AUTO-AJUDA
[ O pessoal da auto-ajuda é uma coisa fabulosa. Lembro que freqüentei reuniões do
grupo Arco-íris, formado por gays, e era muito bom ver que as pessoas se reúnem
porque têm um problema comum e a vontade comum de vencê-lo. (1995)
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