sexta-feira, 1 de junho de 2007

Letra "M"

'MAIS DO MESMO' [faixa do disco Que País é Este (1978/1987)]
[ A idéia que a gente queria colocar, nesse disco, era Mais do mesmo. Porque, de
repente, o que está rolando por aí é mais do mesmo. A situação não mudou nada,
não acontece nada e, então, esta música é um fecho para Que País é Este. (1987)
[ Esta música a gente escreveu há quase seis anos. É impressionante como as músicas
continuam a ter uma certa relevância. (1992)
MALDADE
[ Maldade foi não admitir que as pessoas se preocupavam comigo. (1994)
MAMONAS ASSASSINAS
[ Todo mundo ficou arrasado, e eu fiquei muito surpreso que ninguém
tenha notado a importância dos Mamonas Assassinas como evento
cultural brasileiro. É a mesma coisa que morrer algum dos Secos &
Molhados e ninguém falar nada, só falar da multidão no enterro. Foi
horrível, de qualquer forma. (1996)
MARCELO BONFÁ
[ "Baterista. Aquário. Gosta de natação, de acampamentos, de se divertir
(muito). Era do Blitx 64 (também) e tocou junto ao SLU, Autonomia
Limitada, Metralhaz e o supergrupo Dado e o Reino Animal. Faz
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desenhos e visuais para a banda. Aprendeu a tocar bateria logo depois da primeira
quinzena de vida. Sabia dançar o pogo bem, enquanto no berço. Mais tarde, tornou-se o
terror das menininhas: primeiro na Asa Norte, depois na Asa Sul, depois na Asa Leste e
agora na Asa Oeste, onde reside atualmente". [Trecho do texto escrito por Renato Russo
para registrar os primeiros momentos da Legião Urbana] (1982)
[ Teve a festa do chapéu do André Müller e lá estava o Bonfá. Uma
coisa curiosa é que eu me lembro direitinho de como conheci o Bonfá,
o Fê, mas não me lembro de como conheci o Dado. O Bonfá tinha
saído do SLU, por diferenças musicais, e eu disse a ele: "Vamos fazer
uma banda?". "Vamos". E nosso plano era assim: fazer um núcleo baixo
e bateria e chamar todas as outras pessoas para participar. Porque aí já
tinham zilhões de guitarristas — Zezinho, Felipe Seabra, Loro, eu...
Mas esse plano não deu certo: a gente não tinha lugar para ensaiar. (1989)
[ Eu implico muito com o Bonfá, porque eu tenho essa posição de
irmão mais velho na banda. De repente, eu fico com essas frescuras de
Beatles e eles: "Ah, Beatles..." Ele ganhou uma coleção dos Beatles agora,
entendeu? Ele falava: "Eu conheço Beatles". Mas a gente sabe que, para
conhecer, tem que ouvir. Eu achava que, como banda, a gente estava
perdendo toda uma coisa fabulosa da história do mundo do rock'n'roll...
Pois o Bonfá ouve Da Da e U2. Ele não sabe dizer a diferença: "Isso é
bom, isso foi feito por causa disso ou por causa daquilo". Se ele ouvir
um disco do Grateful Dead, não vai saber o que é que é? E o Dado tem
um outro papo. O Dado tem a própria gravadora. Naturalmente que o
Dado ouviu o Rubber Soul quando saiu em CD, mas era aquilo... A
gente ficava o dia inteiro: "Renato, o que é aquilo? O que é In my life? O
que é Norwegian wood?". E o Bonfá: "Neeeeh". Eu falei assim: "Poxa,
deixa ele ir lá para Abbey Road [para participar da remasterização dos
discos da Legião], para sentir aquela vibração". E ele mudou. Ele está
tão legal, o Bonfá. Banda é que nem casamento. (1995)
MÁRTIR
[ Eu não tenho que ficar recebendo lata de cerveja na cabeça e continuar
cantando por causa do meu salário. Ah, mas não tenho, mesmo] O
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público fica naquela euforia, mas eles não respeitam. Qual é? Será que eles não
percebem que nós estamos do lado deles? Que a gente está cantando coisas positivas,
não está falando "taquem uma garrafa de cerveja na cabeça da gente, porque eu sou
mau". A gente está falando: "Brigar para quê/se é sem querer". Eu não sou mártir, não
tenho que ficar agüentando moleque mal resolvido. Se é porque o show está ruim, tudo
bem. Mas estava todo mundo adorando, estava tudo bem... e me tacaram uma bela de uma
sandália Samoa. Ainda bem que não foi uma garrafa! Eu é que não vou ficar satisfazendo
público que quer ouvir Eduardo e Mônica exatamente como está no disco. Isso não é
rock'n'roll! "Ah, mas tem que tocar". Tem que tocar nada, eu faço o que eu quero! (1986)
MASSIFICAÇÃO
[ Eu acho que, quando há muita massificação, a coisa se dilui a tal
ponto que fica muito difícil você manter o interesse pelo que você está
fazendo. Fica difícil manter aquele impulso inicial. Porque, se você já
conseguiu tudo, você quer mais. Se você já subiu ao topo de uma
montanha, pode querer escalar outra montanha. (1987)
[ Me recuso a entrar nessa, me sinto realmente encurralado. Um dia,
fiz uma brincadeira com meu primo. Estávamos almoçando e liguei o
rádio, só para confirmar: estava tocando índios naquela hora. Não é
disso que estou a fim. Agora, por exemplo, todo mundo só quer saber
do The Cure. Depois? Aí vem outro. Foi o que aconteceu com o U2 e
tantas outras bandas. Precisamos cortar ao máximo a massificação.
(1987)
MATURIDADE
[ Estou mais tranqüilo, não bebo mais, não uso mais drogas, isso me
traz uma serenidade que eu não tinha. Parei porque eu estava me
matando. Continuo a mesma pessoa, mas a gente amadurece. Estou
com 35 anos, não tenho mais 18. (1995)
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MAU HUMOR
[ Às vezes, acordo de mau humor, por nada. E, quando estou com
fome ou preocupado, pronto. Agora estou controlando. As drogas me
atrapalhavam muito. (1995)
'MAURÍCIO' [faixa do disco As Quatro Estações]
[ Maurício fala sobre a solidão. Voltando à coisa da política, ela tem
um verso assim: "Às vezes faço planos/Às vezes quero ir para um país
distante e voltar a ser feliz". Mas a música termina com um fecho
positivo: "Eu vi você voltar para mim." (1990)
MÁXIMAS
[ "Quem mais sonha é quem mais faz" — eu acredito muito nisso. E
também que "quem espera sempre alcança". Eu vivo dizendo isso: são
as máximas de Renato Russo. (1986)
MEDO
[ Morro de medo só de pensar que meu filho pode achar superbabaca o que eu faço.
(1989)
[ Morro de medo de a musa me abandonar, de eu virar um hasbeen
[artista famoso que caiu no ostracismo], de aparecer daqui a uns oito
anos num programa, assim: "Vocês se lembram? No começo dos anos
80 eles foram muito famosos. Onde estarão eles?". No Asilo dos Artistas,
com meu violãozinho, eu, Marcelo Nova e Paulo Ricardo. Ai, que horror!
(1990)
MELANCOLIA
[ É claro que, como pessoa, eu sou meio melancólico. Se outro artista — o Cazuza, por
exemplo — pegasse o material de As Quatro Estações, por certo sairia algo mais para
cima. Em tudo o que fazemos, por mais alegre que seja, tem sempre uma
correnteza sob a superfície
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aparentemente calma. É o meu jeito, mas, à medida em que eu vou mudando, isso vai
mudar também. Eu acho Eduardo e Mônica superimportante por isso, porque ali
conseguimos fazer algo super para cima. Atualmente, eu estou deixando de ser tão
ensimesmado e de ficar trancado em casa, achando que tudo é um horror. É claro que
eu saio e sou expansivo e tal, mas este outro lado é forte. (1989)
[ Não que eu escreva melhor quando estou melancólico, mas eu
encontro sobre o que escrever. Mesmo que seja uma música positiva,
como Quase sem querer, sempre vem da necessidade de resolver alguma
coisa que não está resolvida. (1990)
[ Não é bem uma melancolia — é porque não é a dança da garrafinha!
São dois extremos. Aqui no Brasil, nós somos alegres, mas nós não somos
felizes. Existem toda uma melancolia e uma saudade que a gente herdou
dos portugueses e que a gente ainda nem começou a resolver. A gente
não sabe o que é este nosso país. Não existe um debate, por exemplo,
dizendo o que é Adriane Galisteu! (1996)
MENINAS
[ Eu já sabia que era gay desde os quatro anos de idade. Quer dizer, eu
não sabia que era gay-gay! Eu tinha uma afeição muito grande pelas
meninas, mas não pensava nelas em termos sexuais, de posse. Não
precisava de proximidade física, beijo ou sacanagem. A gente pegava o
disco do irmão mais velho da Luiza [namoradinha da Ilha do
Governador] e ficava ouvindo Cat Stevens e James Taylor. (1995)
MENINOS
[ Mas fica aquela coisa: filho de católico, você é doente, etc. etc. No
meio do caminho, eu já estava pensando: pô, eu sou um cara tão legal,
eu não posso ser doente. Eu não sou muito religioso, mas eu me ligo
nessas coisas. Não só a doutrina de Buda, eu já li muito a Bíblia também
— e Jesus nunca falou nada contra certo tipo de comportamento. Quem
fala isso é a Igreja Católica. Bem, se eu sou assim e eu sei que sou assim,
desde que eu me lembro, desde os 3, 4 anos de idade... Eu sempre
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'MENINOS E MENINAS' [música do disco As Quatro Estações]
[ Em Meninos e meninas, é a primeira vez que falo, claramente, que
gosto de meninos e meninas. Também não sei o que vai dar, porque
começo a falar de santo, no meio da música, e vai embolar tudo. E o
amor ao próximo? Jesus gostava de meninos e meninas. Não sei se
sexualmente, porque, naturalmente, Ele era um ser evoluidíssimo. Ele
era um ser totalmente espiritual. (1990)
[ Não é uma bandeira pelo bissexualismo; aquilo é uma bandeira em
favor da Igreja Católica. Eu também falo que gosto de São Francisco.
Depende de como você vê a letra. (1992)
MENUDOS
[ Teve uma época que eu me interessei pelo Menudo e tudo, sabe...
"Quem são esses meninos de Porto Rico? E que concepção interessante
para uma banda!". John e Paul ficaram velhos; então, vamos arrumar
outros John e Paul. Eu achava o trabalho deles bem interessante.
Consegui até conhecer os caras do Menudo, tête-à-tête. Aqueles caras
eram garotinhos de 17 anos? Que nada, eram todos uns talalaus de 20 e
tantos anos, uns bojes lindos, maravilhosos... (1995)
MERCADO EXTERNO
[ Só tentar manter a carreira no Brasil já vai me deixar ocupado pelo
resto dos meus dias. O importante é segurar o que você já conseguiu.
Eu gostaria de fazer sucesso lá fora para ganhar dinheiro. Mas, no fundo,
acho que uma carreira internacional seria um pouco chata. O dia em
que eu for reconhecido na rua, nos Estados Unidos e na Europa, onde é
que eu vou passar as minhas férias? Na Groelândia é que não dá!. (1991)
O repertório do Stonewall é interessante para o Brasil, mas, para eles
[outros países], é como um alemão cantando Carinhoso. Só faltava eu
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—, para o Japão e para os Estados Unidos, claro. Mas os americanos são muito
homofóbicos. (1994)
MESSIANISMO
[ O maior perigo é para o público. Um belo dia, ele vai descobrir que
o seu ídolo tem pés de barro. É uma coisa muito dolorosa, porque messias
não existem. Eu expresso o que eu penso e o que eu sinto. Só. Quando
eu falo essas coisas, não é para mudar a cabeça de ninguém. (1988)
[ Se eu realmente estivesse num caminho messiânico, teria controlado
aquele show [no Estádio Mané Garrincha, em Brasília]. Eu tenho a
minha individualidade, não sou um messias. (1988)
[ Não me vejo como profeta ou messias, nem nada. Sou um cantor de
rock, um músico, um artista. Eles te colocam lá em cima para, depois,
te derrubarem. (1994)
MÍDIA
[ Neste país, a mídia está muito desenvolvida, mas, por outro lado, não
entendem nada... Você não tem o respaldo de uma estrutura já pronta,
tem que se matar de fazer show, e o próprio pessoal da mídia não
reconhece. Eles só pisam e pisam... Se vocês são tão importantes e
rock'n'roll é tão vulgar, por que falam tanto de rock'n'roll? Por que
precisam citar Adorno e Walter Benjamin para provar que não vale a
pena falar disso? As pessoas vêm me pedir entrevistas para me perguntar
coisas que não têm nada a ver: o que eu acho da venda de ingressos do
Sambódromo para o carnaval... Pelo amor de Deus! Pô, vem me
perguntar sobre rock'n'roll, que pelo menos eu conheço um pouco, e
mesmo assim tenho minhas dúvidas... O que acontece no Brasil é que,
se você chega num certo nível, você passa a ter autoridade para tudo.
Às vezes, isso dá medo. (1986)
[ Não dá para acreditar na grande mídia, e têm pessoas completamente
servis, que acreditam em tudo o que lêem. (1996)
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[ O caminho é por aí: é preciso respeitar as pessoas que não são comuns,
que não são maioria. Gente que não vai gritar pela Copa do Mundo,
gente que pensa, que não aceita tudo o que é dito. A maior parte das
pessoas não pensa, nem existe. O modelo da pessoa comum é vazio.
Você não pode discordar de nada para não parecer diferente. (1994)
[ O disco [The Stonewall Celebration Concert] assume a idéia de que
as pessoas que pensam diferente devem ser respeitadas, sem hipocrisia.
E por isso que fiz o disco. Stonewall foi um pretexto para se falar de
uma das minorias. A verdade é que somente com o rock, a ecologia e os
movimentos em defesa das minorias o mundo vem prestando mais
atenção às coisas. (1994)
[ O homossexualismo não é a coisa mais importante do mundo. Talvez
seja, para mim, agora. Mas, além de dizer que o gay tem direito, é
preciso dizer que a criança tem direito, o negro tem direito, o cidadão
tem direito. Falam muito de minorias, mas, no Brasil de hoje, a vida
está impossível, inclusive, para o macho adulto branco. (1994)
MISTICISMO
[ Já me envolvi a fundo com magia, cabala, a ponto de ter que parar
porque estava mexendo com forças que escapavam ao meu controle.
Joguei muito tarô, fazia mapas astrais, estudei espiritismo. Minha única
frustração é ainda não ter acesso aos evangelhos não-canônicos,
considerados heréticos pela Igreja. Têm histórias sobre a ida de Cristo
ao Tibete e à Inglaterra, onde esteve com os druidas. Acredito numa
dimensão espiritual. Para mim, Deus significa tudo. Claro que não é o
Deus da Igreja, o velhinho de barbas brancas. (1988)
MITO
[ Pirei por causa dessa idéia de mito, e parei. Eles [os companheiros da
Legião] sabem como é que eu fiquei. Eu estava vendo isso tudo como
uma coisa perigosa para mim. Não aceito que as pessoas tenham direito
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como verbalizar o que sentia para a banda, e mergulhei em muito álcool e muita droga.
Nunca mais isso vai acontecer. (1987)
MITOS
[ Beatles e Jesus Cristo. (1994)
MODA
[ No fundo, eu gosto de todo mundo [na música]. Só não gosto quando
vira moda. Teve um tempo em que o brega era moda — detestava isso.
Moda não é por aí. Não deve existir moda em música. Moda é uma
linguagem de roupa. Música é uma coisa muito subjetiva e não pode ser
categorizada como moda. (1988)
'MONTE CASTELO' [faixa do disco As Quatro Estações]
[ Monte Castelo foi feita a partir da junção de um soneto de Camões
— "O amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um
contentamento descontente, é dor que desatina sem doer".
— com uma parte do Novo Testamento, uma das coisas mais belas que já foram
escritas. Não gosto muito de São Paulo, porque acho que as coisas que ele falou são
horrorosas. Mas, no caso da Primeira Epístola de São Paulo aos Corintos, há umas
coisas bonitas. (1990)
MORTE
[ Não quero morrer. Se quisesse, já teria ido embora há muito tempo.
(1987)
[ Se eu morrer em nome da arte, não vai dar em nada. (1988)
A vida é difícil. O homem ocidental, principalmente no século 20,
não tem contato com a morte. A morte virou antisséptica. Não há contato
com o ciclo natural de nascimento, vida e morte. Basta ver o que estamos morrer. (1990)
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[ A morte está próxima e eu quero aproveitar ao máximo este momento para aprender
com a própria vida e com a morte. (1996)
MUDANÇA INTERIOR
[ Eu não sou mais tão agressivo quanto antigamente. Eu descobri que
não adianta ficar batendo com a cabeça na parede, porque não vou
mudar o mundo. Antigamente, eu sinceramente acreditava que eu ia
poder mudar o mundo. Eu me formei em Jornalismo, eu realmente
queria fazer alguma coisa por um determinado caminho. Aí, depois, eu
descobri: "Olha, por aí não vai dar, Renato. É melhor você fazer outra
coisa". Hoje em dia, eu acredito mais numa mudança interior. Se eu
vou conseguir resolver os problemas que aparecem com a minha família,
na minha vida cotidiana, as coisas que eu tenho que resolver comigo
mesmo, com meu filho, com os meus pais, com os meus amigos. Acredito
neste tipo de mudança, uma coisa a nível de pessoas, bem pequena
mesmo. Nada de mudar o mundo, o governo, nem nada. E isso se reflete
um pouco no estilo das letras. No começo, era uma coisa muito
grandiosa; agora, não. A gente tenta fazer uma coisa assim: hoje é um
dia perfeito com as crianças. Só. Eu não posso mais falar pelas outras
pessoas. Eu só posso falar assim: hoje eu acordei bem ou acordei mal.
(1994)
MULHER BONITA
[ Todas. Isabella Rosselini, Vivian Leigh, Maria Bethânia e Zezé Motta.
(1994)
MULHER ELEGANTE
[ Minha mãe. (1994)
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[ Marina Colassanti e Adélia Prado. Toda mulher é inteligente. (1994)
MULHERES
[ Mulheres são misteriosas, que nem gato. (1994)
[ Eu já namorei mulheres, tenho um filho. Mulher é uma coisa fabulosa,
mas, por mulher, eu sinto um respeito demasiado. Com mulher, parece
sempre que eu estou transando com uma amiga. (1994)
MULHERES OU HOMENS
[ Ambos. Uma coisa eu posso dizer: todas as mulheres que já se
apaixonaram por mim são hoje minhas melhores amigas. Eu me
apaixonava, mas não carnalmente. Gostava, achava divertido e tudo,
mas pensava: "Não é isso que eu quero, está faltando alguma coisa". Por
muito tempo, busquei relacionamentos com mulheres para provar que
eu era homem. Porque eu amo as mulheres. Espero que ela não fique
chateada, é uma mulher casada... Mas a Carla Camuratti, eu encontrei
na casa de um amigo. Ela é linda, meu tipo. Fiquei babando. Pensei:
"Gente do céu, é a mulher da minha vida". Mas eu sei que não é por aí.
Porque a gente pode estar junto e compartilhar tudo, mas, de repente,
passa um boje bonito... Sabe, eu tenho tara por bunda cabeluda, por pé,
por falo, pelo torso masculino, pela coisa da barba. O que me atrai na
mulher é a essência da mulher, não o corpo. No homem, a essência se
traduz no corpo. Também acho que nunca vou satisfazer a mulher
completamente. Sou muito fascista e autoritário. Sou o boje por
excelência. Sou macho, minha filha... Me sinto muito mais à vontade
em uma relação com outro homem. Homem não pode fingir. Ou está
de pau duro ou não está. Eu entendo o que o outro cara pensa, conheço
o cheiro, conheço o toque. Com a mulher, eu me sinto desonesto. E
elas se entregam tanto que eu me sinto tão pequeno... (1995)
MUNDO
[ Às vezes, parece que as coisas estão de um tal jeito, que a única
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outro lugar. (1990)
[ Bem, o mundo nunca me maltratou. Mas eu achava que as pessoas
sempre podiam muito mais do que faziam. Todas muito servis, aceitando
tudo. Pensava: "Agora chegou minha vez". Esperei minha infância inteira
para ter 18 anos. Acreditava que podia tentar mudar alguma coisa para
melhor. (1995)
MUNDO DO ROCK
[ O mundo do rock não é machista. O mundo do rock é misógino. O
que vale nesse mundo não é saber se você é gay ou não. É saber quem é
o mais louco, quem vende mais disco, quem ganha mais dinheiro. Era
aquela coisa de querer se mostrar, do exibicionismo, da vaidade mesmo.
De se transformar em ídolo. (1995)
MÚSICA
[ Isso eu decidi aos 12 ou 13 anos. Só que, naquela época, não existia
rock'n'roll assim, para todos os efeitos. Eu tinha morado nos Estados
Unidos, entre 67 e 69: meu pai era economista e foi tirar PhD na
Universidade de Nova York, pelo Banco do Brasil. Mas, aí, você começa
a pensar em ter uma banda, em ter uma guitarra, e os pais dizem: "Meu
filho, não é assim que as coisas funcionam, talvez a gente possa colocar
você numa escola de música". Eu já tinha tido aulas de piano, quando
pequeno, mas era aquela coisa com cheiro de mofo. (1989)
[ Me contam que, aos 2 anos de idade, eu já punha o disco do Frank
Sinatra de volta na capa certa. Quando chegou a adolescência, meu
sonho era formar uma banda. Minha família é muito musical. É coisa
de gente que tinha piano na sala. Tanto do lado do meu pai, que é
paranaense, quanto do lado da minha mãe, que é pernambucana. (1995)
[ Eu acho que uma das funções da música é fazer você interagir consigo
mesmo e rever sua história e suas coisas. Quando eu viajo e ouço música
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musical. Muito, muito musical. De repente, se eu ouço coisas como Aquarela do Brasil
lá fora, dependendo de como eu estou, dá vontade de chorar, ô meu! (1995)
MÚSICA BRASILEIRA
[ No Brasil, a música sempre foi ligada a uma coisa mais folclórica.
Sempre houve uma espécie de cisma: a poesia de um lado, a música
popular do outro. (1988)
[ O tempo vai passando e eu vou respeitando cada vez mais a música
brasileira. Eu era muito esnobe — isso até a gente entrar para o meio e
ver como sofre o músico, como funciona essa máfia do direito autoral,
das gravadoras... Esses caras são uns heróis. (1995)
MÚSICA CLÁSSICA
[ Gosto de música clássica. Acho emocionante aquela abertura da Flauta mágica, de
Mozart. Todo mundo gritando: "Vai começar!" [nos shows da Legião]. Deixa uma
expectativa legal. Todos abrem shows com Carmina Burana. Não agüento mais ouvir
aquilo! Está muito clichê. É igual a esses discos que vendem só Quatro estações, de
Vivaldi, e Valsa das flores, do balé Quebra-nozes, de Tchaikovsky. (1995)
MÚSICA ITALIANA
[ Eu nunca tinha ouvido música italiana. Na minha cabeça, eram baladas
bobas. Encontrei alguns CDs numa loja aqui do Rio e comprei uns 12.
Aí, fui descobrir que o estilo dos italianos é parecido com o meu estilo
arrebatado de cantar. (1995)
[ Por uma coincidência, todos os artistas que eu consegui naquela
primeira leva — e depois, quando eu comprei mais e me aprofundei
mais — tinham uma temática muito parecida com a temática da Legião
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mundo e tentando resolver as coisas do mundo. Isso é uma coisa bem da Legião.
Músicas de amor. Mas, na minha cabeça, eu imaginava que a música italiana era como a
música francesa ou como Júlio Iglesias, entendeu? E não tem nada a ver. Eles sempre
falam desta coisa: "O mundo está horrível, está caindo aos pedaços, mas eu procuro
sinceridade no relacionamento e na minha vida, e também a honestidade". É aquela praia
de REM e U2, que existe no rock, e cujas letras de repente falam disso. O Dylan, às
vezes, fala um pouco disso. É a coisa folk, não é? E eu fiquei impressionado porque
todos os artistas tinham uma visão extremamente parecida. As músicas eram muito
melodiosas. Elas tinham aquela coisa pop — meio Rosana, meio Xuxa e meio Angélica —
, mas transcendiam, de certa maneira. (1995)
[ A gente se esquece de que, durante muito, muito tempo,
principalmente até o aparecimento da Tropicália, só dava música italiana
neste país. Isso só acabou no anos 70. Era uma coisa de todo mundo
assistir a San Remo e de todo mundo ter disco da Rita Pavone. Eu me
lembro, até hoje, daqueles discos da RCA, com selinho azul, que, quando
eu era pequeno, todo mundo ouvia. A própria Jovem Guarda é 60, 70
por cento música italiana. Banho de lua, que é o começo do rock no
Brasil, é italiano. Era um garoto que como eu amava os Beatles e os
Rolling Stones, também. Isso é uma coisa que me fascinou muito. Como
é que a música italiana sumiu de repente? Sumiu, desapareceu. Gente,
a gente tinha Ornella gravando com Vinícius e Toquinho. O Chico,
com Minha história, do Construção: aquilo é Lúcio Dalla. E aquilo tudo
sumiu. Eu acho que entrou Yellow river e acabou! (1995)
[ Eu tenho um carinho muito grande pelo progressivo italiano. Eu acho
a pior coisa do mundo, mas eu acho tão legal aqueles caras fazendo
aquelas músicas em inglês! Tipo Birth — Part I. Sabe aquela coisa? O
enigma sem fim — Parte I, Fuga e O enigma sem fim — Parte II. Isso é
tão pretensioso! Eu, com 12 anos, achava aquilo a coisa mais linda do
mundo. Prelúdio, Canção para as gaivotas — isso Robert Fripp, não é?
Ih, eu adorava! (1995)
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Mesmo que tenha uma melodia maravilhosa, a música brasileira sempre se preocupa com
o ritmo. Lá na Itália, o que chama a atenção são, justamente, a melodia e a harmonia. Eu
não sabia que existiam tantos artistas italianos, porque aqui no Brasil parou de se tocar
música italiana faz tempo. Isto é uma pena, pois as letras são muito interessantes e
extremamente apaixonantes. (1995)
'MÚSICA PARA ACAMPAMENTOS'
[ Eu gosto muito de cantar, e as músicas da Legião são muito difíceis
de cantar. Porque, quando a gente grava as músicas do nosso disco, elas,
virtualmente, saíram do forno. Por isso, eu acho que, nas versões do
Música para Acampamentos, as músicas são realmente superiores, pelo
menos no vocal — porque eu já conheço a música, já cantei diversas
vezes. (1994)
MÚSICO BRASILEIRO
[ Veja: vão todas as donas de casa lá, falar com o Collor [ex-presidente
Fernando Collor de Mello], mostrar abaixo-assinado, e ele as recebe
pessoalmente, dois minutos na Rede Globo. Agora, quando vão os
músicos — a única coisa que a gente ainda tem na cultura brasileira é a
música — pedir, pelo amor de Deus, para liberar o dinheiro do Ecad
[órgão recolhedor de direitos autorais]... A gente é jovem, eu sou
roqueiro, estou na crista da onda; se for o caso, para mim, não é problema.
Mas, e o músico brasileiro de verdade? Está aí, sofrendo. Eu sei quanto
eu ganho de direitos autorais. Toca a música na Rede Globo e são 151
cruzeiros e 22 centavos. E as pessoas que vivem disso? Não deu na Rede
Globo, só uma pequeníssima nota, e o Collor não vai falar com eles,
manda um secretário. Eu acho muito triste. A Legião é mass media,
mas e a cultura brasileira realmente? Como esse pessoal da MPB deve
ficar ressentido com a gente... Com razão. Eles, que são muito mais
autênticos do que essa bobagem do rock'n'roll, só levam na cabeça. A
Dircinha Batista morrendo, totalmente esquecida, no Asilo dos Artistas...
Eu acho uma grande sacanagem. (1990)
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