quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Legião Urbana em análise literária

Sobre o líder da banda Legião Urbana, Renato Russo, e sua imensa criatividade de compor letras, saiba um pouco mais da história desta importante banda.


Dizem que o Renato Russo tinha passado uma tarde inteira na casa de um colega pintor. E Enquanto conversavam um quadro estava sendo pintado e sempre o Renato perguntava enquanto ele trabalhava a pintura... Dizem que na mesma noite, Renato Russo ligou de madrugada para o pintor para saber o que ele achava da mais nova letra "Acrilic on canvas", que quer dizer “acrílico sobre telas”, se a letra estava boa (comentário retirado do site youtube).


Que as letras de Renato Russo tocam muitas pessoas, isso é inegável. Que são criativas e bem elaboradas, muitos igualmente concordarão. Mas são análises como as que encontramos em "Depois do fim" que revelam um pouco da profundidade que ainda há de ser explorada nas letras de Renato Russo, este eterno e inesquecível artista do rock brasileiro.

Abaixo se encontra a música, depois a letra (copiada diretamente do encarte do CD, com todas as pontuações originais de Renato Russo) e finalmente a análise. ( autoras, Angélica Castilho e Erica Schlude, possuem o título de Doutoras e Mestres em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro).








Acrilic on canvas




- É saudade então. E mais uma vez de você fiz o desenho mais perfeito que se fez: Os traços copiei do que não aconteceu as cores que escolhi, entre as tintas que inventei, misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos de um dia sermos três.Trabalhei você em luz e sombra era sempre não foi por mal. Eu juro que nunca quis deixar você tão triste sempre as mesmas desculpas e desculpas nem sempre são sinceras quase nunca são.


Preparei a minha tela com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar. A armação fiz com madeira da janela do seu quarto do portão da sua casa fiz paleta e cavalete e com as lágrimas que não brincaram com você destilei óleo de linhaça E da sua cama arranquei pedaços que talhei em estiletes de tamanhos diferentes e fiz então pincéis com seus cabelos. Fiz carvão do batom que roubei de você e com ele marquei dois pontos de fuga


E rabisquei meu horizonte. Era sempre: - Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal.


Eu não queria machucar você: prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez e era sempre, sempre o mesmo novamente a mesma traição. Às vezes é difícil esquecer sinto muito, ela não mora mais aqui, mas então por que eu finjo que acredito no que invento?


Nada disso aconteceu assim - não foi desse jeito. Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia. Tentando pintar essas flores com o nome


De "amor-perfeito" e "não-te-esqueças-de-mim".


O título "Acrilic on canvas" (2º álbum) remete a uma técnica de pintura 49: acrílico sobre tela. O vocabulário está ligado às artes plásticas, por isso, palavras como "traços", "sombra" são alternadas com reflexões do eu-lírico sobre o objeto amado. Em seguida, mais palavras relacionadas à pintura, como "carvão", "pontos de fuga" 50, "tela", "paleta", "cavalete" são novamente interrompidas pelos pensamentos do eu-lírico. A proposta da letra é bastante criativa. Traz a pintura para o mundo das palavras. São duas manifestações artísticas distintas que aqui se unem, formando uma declaração de amor das mais originais. O ouvinte/leitor é capaz de criar a imagem das situações vividas e idealizadas através das palavras: "De você fiz o desenho mais perfeito que se fez: / Os traços copiei do que não aconteceu. / As cores que escolhi, entre as tintas que inventei, ". É a descrição do processo de idealização do objeto amado.

A música começa com um verso isolado que reflete a solidão: "- É saudade então." A letra trata a temática de despedida (4ª etapa), consequentemente, aborda a decepção, revelando uma obsessão do eu em relação a planos: "Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos / De um dia sermos três." Ele está sempre projetando para o futuro, quer construir um relacionamento ideal e o filho seria a síntese e o produto do amor.

A antítese do verso "Trabalhei você em luz e sombra." mostra que o objeto de desejo é razão e sentimento, certeza e dúvida, salvação e perdição, conhecimento e desconhecimento. É a figura do eu divido entre o que é aceito e o que é proibido até mesmo dentro dele, pois a letra toda evidencia uma luta entre o sentimento e a incompatibilidade deste com o relacionamento.

A terceira estrofe é uma quebra da idealização do outro, pois apresenta o comportamento do objeto amado e a desilusão: "Era sempre: / - Não foi por mal. Eu juro que nunca / Quis deixar você tão triste. / Sempre as mesmas desculpas / E desculpas nem sempre são sinceras - / Quase nunca são." É o discurso das dúvidas, porque se quer o outro, apesar de tudo, e se quer recuperar um estado de graça perdido.

Todo o universo do eu-lírico é construído através do outro, ele torna pessoais os objetos. A saudade faz com que o quadro precise de retoques, à medida que novas recordações vão dando mais vida ao desenho iniciado: "Preparei a minha tela / Com pedaços de lençóis / Que não chegamos a sujar. / A armação fiz com madeira / Da janela do seu quarto. / Do portão da sua casa / Fiz paleta e cavalete / E com as lágrimas que não brincaram com você / Destilei óleo de linhaça / E da sua cama arranquei pedaços / Que talhei em estiletes / De tamanhos diferentes / E fiz então / Pincéis com seus cabelos. / Fiz carvão do batom que roubei de você / e com ele marquei dois pontos de fuga / E rabisquei meu horizonte." A letra é realmente a pintura de um quadro que tem a função de representar o outro, lembrando até a pintura clássica e renascentista, pois estas mantêm um compromisso com a fidelidade da representação do objeto pintado, mas, é claro, sempre de acordo com a visão do pintor desse objeto.


Mas, na estrofe, "Era sempre: / - Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal / Eu não queria machucar você: prometo que isso nunca vai / Acontecer mais uma vez. / E era sempre, sempre o mesmo novamente - / A mesma traição. // Às vezes é difícil esquecer: / - Sinto muito, ela não mora mais aqui.", percebe-se que há novamente uma quebra da idealização do objeto amado. O outro, que ele imaginava, torna-se, na verdade, a pintura: "Mas então por que eu finjo que acredito no que invento? / Nada disso aconteceu assim - não foi desse jeito. / Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia / Tentando pintar essas flores com o nome / De 'amor-perfeito' e 'não-te-esqueças-de-mim'." A conclusão do fracasso amoroso resulta não mais no retrato do objeto amado, mas somente em flores, símbolo do relacionamento. A pintura em si já é simbólica, porque ela é uma representação, seja de uma imagem real, seja de uma imagem que busque expor idéias, expectativas, delírios. Na letra, o objeto amado é representado pela flor, que é símbolo de efemeridade, de harmonia, de juventude, logo, é a representação desse amor que não durou, sintetizando a história vivida em "amor-perfeito" (antes) e em "não-te-esqueças-de-mim" (depois). Mesmo havendo a decepção, o eu não consegue atribuir à imagem do outro aspectos negativos.

Vale lembrar que, na letra, não há a voz do outro, apenas o eu-lírico fala desse amor. O outro é representado, não tem voz, apesar dos diálogos representados por travessão. E o fato de apenas um dos amantes fazer o relato torna o discurso interessante, pois não se trata da busca pela verdade, mas sim da análise das argumentações utilizadas por quem sofre uma desilusão amorosa.  Continue lendo aqui:



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