sexta-feira, 20 de março de 2009

A barata no bico da galinha

"Estou me sentindo que nem barata em bico de galinha". A frase, verdadeira confissão de desconforto, foi dita pelo presidente do Senado, José Sarney, o inefável, inexprimível e inexpressável representante do Amapá, autor do deslocamento de funcionários da segurança senatorial para São Luís, a pretexto de protegê-lo da sanha assassina de algum leitor inconformado com a prosa literária do imortal de fardão.

A imagem da barata no bico da penosa provoca a imaginação: baratão enorme, de antenas compridas e irrequietas, de asas marrons lustrosas, de patas como serras, de cabeça pequena e calva…e de bigodes abundantes. Sim, um baratão bigodudo, diferente das outras de sua espécie, mirradas, maranhenses, quase formigas em sua pequenez.

Sentir-se desconfortável não deve ser novidade para Sarney, se até mesmo seu nome é uma invenção das baratinhas já mortas e sepultadas, contemporâneas de seu avô empregado dos ingleses da ferrovia que rasgava as terras do estado, jocosamente apelidado "Sir Ney". O baratão bigodudo se chama, de fato, José de Ribamar como os incontáveis xarás perdidos e esquecidos por todo o Norte e Nordeste.

Sarney deve ter se sentido barata em bico de galinha em 1985, quando a morte de Tancredo Neves o projetou ao Palácio do Planalto e ele teve de reorganizar o ministério das costuras políticas que elegeram o presidente morto. Em outras ocasiões, "talqualmente", deve ter se sentido "espremido pelas circunstâncias", mas sempre se houve a contento, tanto que aí está, lépido e fagueiro aos 78 anos de idade, anunciando a redução do número de diretores do Senado para "apenas" 90. Correção: anunciando a intenção de reduzir, e nesta pretensa intenção está outra razão para se sentir barata em bico de galinha.

Como sabe qualquer detentor de gratificação no serviço público, é duro mexer no salário dos companheiros, mesmo quando não são propriamente colegas, mas subalternos. Parlamentares em geral têm certo pudor em retirar o extra dos vencimentos de alguém, mas os senadores levam tão a sério este pudor que fazem questão de não ver o que acontece ao redor.

A prova é o espanto geral com algumas diretorias criadas com o fim exclusivo de engordar o salário dos diretores. E os senadores não sabiam de nada, nem desconfiavam. Paga-se hora extra em tempo de recesso e ninguém tinha conhecimento, não se fiscaliza, como de resto não se fiscaliza nada que não saia na mídia, em consequência de disputas internas pelo poder na burocracia.

Sentir-se como barata em bico de galinha é imagem forte, eloquente, quem sabe definitiva. Até onde posso imaginar, a sorte da barata está selada, é o fim. A não ser que a galinha seja de histórias infantis, bonachona e conversadeira. Não me consta que haja desta espécie em Pinheiro, onde Sarney nasceu, ou em qualquer parte do Maranhão.

Lá, galinha é ave ciscante, de bico duro e nenhuma prosa, e quando agarra uma barata é à vera e não à brinca. Assim, o senador pode estar, na realidade, sinalizando uma saída estratégica, viagem à França ou licença médica, quando muito não seja porque não tem idade nem necessidade de pagar esses micos infamantes.

Depois da onda, a galinha longe, o baratão volta para terminar o mandato que tanto ardil lhe custou.

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